Nada
de mais fácil entendimento do que a entrega do ministério da injustiça, com
amplos poderes de investigar quaisquer cidadãos, a alguém que com a Justiça não
tem o mais pálido achego. Em compensação Sérgio Moro e sua Lava Jato são os
primeiros responsáveis pela desgraça que se abate sobre todos nós, cientes ou
não. O prêmio a Moro dispensa explicação. Ninguém como este oportunista
recalcado e provinciano, disposto a se atribuir alcances impensáveis e a
mantê-los com o beneplácito de uma suprema corte de fancaria, foi tão eficaz
para atingir o objetivo principal do golpe urdido desde antes do impeachment de
Dilma Rousseff à sombra da inquisição curitibana: eliminar Luiz Inácio Lula da
Silva do cenário político. A viagem do processo capaz de unir a tantos em nome
desse denominador comum demora cerca de cinco anos para juntar passageiros
díspares, de Eduardo Cunha a Michel Temer, dos chamados ministros do STF à
mídia nativa, dos delatores acovardados a Antonio Palocci para nos conduzir à
eleição de Jair Bolsonaro e sua turma tresloucada. Recheada também de generais
entreguistas que por ora o mantêm na Presidência. Nisso tudo campeia Sérgio
Moro.
Luigi
Ferrajoli, jurista italiano respeitadíssimo mundo afora, inclusive no Brasil
por quem entende das coisas, em novembro de 2017 escreveu em CartaCapital que,
fôssemos um país democrático e civilizado, Moro teria sido removido das suas
funções por desacato às regras mais elementares do processo justo. É peça
impecável a mostrar como a politização da injustiça só pode acontecer nestas
nossas infelizes latitudes. E tal é o ponto, o prego que volta e meia me ponho
a percutir a bem da verdade factual.
É
preciso entender que Bolsonaro não é neofascista, representa apenas a demência
no poder, é seu intérprete, e talvez venha a ser sua vítima ao longo do
vagaroso andar da história. Talvez? Corrijo, insuflado pela esperança:
certamente será. Ele é a consequência de 519 anos de prepotências e desmandos e
de um entrecho cujo primeiro motor é a Lava Jato. Bolsonaro é a aberração
criada pelo constante ataque à Razão e à Lei, e nesta tarefa Sérgio Moro
revelou-se imbatível. A já invocada verdade factual soletra que o inquisidor
curitibano, secundado pelo pregador da cruzada Deltan Dallagnol, desde 2009
colocou-se à disposição de Washington, onde Lula, embora tivesse sido o “cara”
de Obama, era considerado entrave fatal à devolução do Brasil ao quintal de Tio
Sam. A política exterior independente não poderia ser do agrado estadunidense e
os passos dados no campo social quem sabe abrissem os olhos de muitos
ex-miseráveis.
Os
lacaios dos EUA não se sabe exatamente o que ganham com a subserviência, mas
conseguiram impedir uma nova vitória eleitoral do ex-presidente e, portanto, a
volta integral a um projeto de governo do qual Dilma havia em boa parte se
afastado. Impressa na minha memória a noite de 7 de abril do ano passado,
quando Lula se entregou à PF, e o desfile sinistro dos carros pretos, como
conviria a um enterro, a conduzir o ex-presidente ao primeiro paradeiro, antes
de tomar o avião que o levaria a Curitiba. Enfim, a chegada ao telhado da PF
curitibana, onde o aguardavam figuras desfocadas como fantasmas, prontas a
acompanhá-lo escada abaixo até as entranhas do edifício.
Nada
tão simbólico da ofensa a todo brasileiro consciente da cidadania, e dos que
vivem no limbo, embora poucos se deem conta dela. Estamos, porém, no país da
casa-grande e da senzala. E é por aí que se deve entender a presença impune dos
canalhas que enchem a boca com a palavra pátria. Somente no Brasil a mídia em
peso aplaude a prisão de Lula, somente no Brasil até agora faltou a
manifestação fluvial de protesto e raiva, somente no Brasil quem se diz de
esquerda não reagiu em proveito de uma automática e desassombrada união em
torno do grande injustiçado. Consta, entretanto, que a celebrar um ano de
infâmia está previsto um embate futebolístico, não se apurou se entre casados e
solteiros, mas todos de declarada crença esquerdista, mesmo aqueles que no gramado
atuam pela direita. E a torcida gritará gooooooool! Espero com todo o empenho e
o máximo de fé, que outros eventos nas capitais do Brasil e do mundo
programados para o domingo 7 ponham finalmente os pingos nos is.
Manifestações
populares mais significativas deram-se no Carnaval, diria, contudo, mestre
Ferrajoli: Carnevale ogni scherzo vale (Carnaval, toda brincadeira vale). Onde
sobraram os beneficiados pelo governo Lula, sem contar o importante banqueiro
que em junho de 2014 perguntava: “Mas por que Lula não tira Dilma do páreo e
assume a candidatura?” Fica a constatação: o presidente que ao cabo de dois
mandatos contava com 89% de aprovação está preso há um ano e, se depender da
malta insana que pretende nos governar por obra de um regime antes demente que
totalitário, vai apodrecer na cadeia.
O
ex-presidente, constrangido no despojado espaço de 25 metros quadrados
(banheiro incluso) que sequer admite janelas, mantém a altivez e a serenidade
que lhe garantiram o respeito dos carcereiros. Já escrevi não saber se ele
percebeu que mesmo dentro do seu PT há quem hoje o tenha como incômodo, e
tampouco sei até onde o atormenta a ideia do tempo perdido, do vazio político,
da insensibilidade das ruas. Aos meus olhos o metalúrgico que sentou no trono é
figura shakespeariana obrigada a viver um enredo kafkiano ao despertar de um
sonho efêmero de grandeza. Da areia movediça em que se move a política, a pasta
da cordialidade brasileira, exalam maus humores para aturdir a plateia
ignorante e por natureza velhaca. O verbo a ser conjugado é maneirar, o
provérbio “deixa como está para ver como fica”. Lula tentou maneirar, mas nunca
o bastante. Contrariou interesses graúdos quando impôs sua liderança e
conquistou o favor popular. Paga por isso.
E
paga o Brasil, incapaz de registrar a profunda ofensa recebida com a prisão de
Lula, enquanto o conge de dona Rosângela ganha farto alimento para a sua
devastadora vaidade. Já disse e repito: eu me sinto pessoal e gravemente
golpeado entre o fígado e a alma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário