quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

LOJAS REPLETAS, TEMPLOS VAZIOS



Embora eu tenha muita religiosidade, não tenho nenhuma religião. Já em plena adolescência abdiquei de ter uma, não como um gesto de rebeldia, normal nessa faixa etária, mas como resultado de muita leitura, principalmente sobre a história da humanidade. Em virtude de fatos como inquisição, guerra santa, cruzadas, etc., acabei concluindo que se matou e continua se matando muito mais em nome das religiões do que propriamente salvando vidas. Passei então a comungar da idéia de John Lennon em sua canção Imagine, de que o mundo seria bem melhor sem elas.

Ainda assim, respeito a todas as religiões. Percebo a cada passo que elas estão se proliferando cada vez mais. Espero que ao invés de dividir, esse fenômeno sirva para unir e melhorar as pessoas.

Bem, de qualquer forma ao chegarmos ao final do ano, não há como escaparmos das diversas festividades, entre elas, a do Natal, comemorado no dia 25 de dezembro desde o Século IV pela Igreja ocidental e desde o século V pela Igreja oriental, data cujo real significado é a celebração do nascimento de Jesus, a sua vinda a esta terra, como Salvador. Nesta época, mais do que tudo, deveria ser uma data eleita para a reflexão, momento em que as pessoas deveriam elevar suas consciências aos mundos superiores, deixando que algo morresse em seus corações para que algo maior e mais sagrado pudesse nascer. Seria a oportunidade do renascimento em Cristo, de cultivar o verdadeiro amor cristão em todos os corações. Deveria aflorar nas pessoas a fraternidade, a caridade, a união, enfim, a mais pura expressão do amor.

Não é bem o que está acontecendo. No dia 24 de Dezembro do ano passado, acreditando que o centro da cidade estaria mais vazio do que os outros dias que antecedem o Natal, fui fazer minha caminhada costumeira naquela região. Pude perceber que havia muitas lojas e mercados ainda em plena atividade. Todas estavam apinhadas de pessoas, no seu afã de comprar aquele presente de última hora ou o produto que ficou faltando para a ceia de natal. Ao passar pelo antigo camelódromo, percebi que várias bancas estavam em pleno funcionamento, todas elas cheias de pessoas fazendo suas compras avidamente.

Ao ver a catedral do outro lado da rua, tive a curiosidade de entrar e tentar detectar alguém investido do verdadeiro espírito do Natal. Para minha surpresa, não havia ninguém lá dentro. Totalmente vazia, ao menos naquele horário. Resolvi então passar por vários outros templos religiosos que também celebram a festa natalina. Poucas pessoas encontrei neles. Pode-se dizer que a maior parte deles estava vazia.

Pois é. Parece que no embate entre o consumismo desenfreado e a religiosidade, o primeiro está vencendo de maneira avassaladora. As pessoas compram uma infinidade de coisas que na verdade não necessitam e que logo em seguida se transformará em lixo que irá prejudicar a natureza e ajudar a destruir o planeta. Por outro lado, fica jogado num canto, o que deveria ser o verdadeiro espírito do natal.

É isso aí. No Natal, lojas repletas e templos vazios.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS

Publicado no jornal A Razão no dia 29 de Dezembro de 2.010

http://www.scribd.com/doc/46018132/291210


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

MÃES MENININHAS

Já não me causa mais admiração ver meninas recém saídas da infância, ficarem grávidas precocemente e totalmente despreparadas para a maternidade. Ainda ontem, eu vi passar na frente de minha casa, mais uma delas, com não mais do que 14 anos, carregando uma barriga que deixava clara a gravidez em estado bastante adiantado.

Pensei comigo mesmo em como o tempo passa depressa. Afinal, anteriormente, eu vi a mãe dessa menina passar na mesma calçada, grávida também, e sabem de quem? Isso mesmo. Dela, da menina a que estou me referindo e que por acaso, ainda bebê de colo, foi minha cliente representada pela mãe e pela avó, na busca de uma pensão alimentícia a ser paga por um pai ainda adolescente e totalmente desprovido de qualquer condição financeira.

Lembro-me que em audiência de conciliação, o jovem pai, por não nenhuma espécie de ganho ou de qualificação para obter um emprego, restou condenado a pagar uma pensão alimentícia no valor mínimo que os juízes da nossa comarca costumam fixar em tais casos, ou seja, 30% do salário mínimo nacional. Evidentemente, a mãe e a avó, ficaram zangadas com tal decisão, eis que entendiam ser uma quantia irrisória que não daria para “criar uma filha”, conforme suas próprias palavras. De nada adiantou eu tentar explicar-lhes a respeito do famoso binômio possibilidade/necessidade. Elas entendiam que o juiz deveria ter condenado o rapaz a pagar uma quantia maior e ele que “se virasse” para pagar.

Acabei entrando em desacordo com elas e encerrei por ali a minha relação de trabalho com as duas (três, na verdade). Tempos depois, fiquei sabendo que em virtude do pai, agora com dezoito anos, não ter efetuado os pagamentos da pensão na data aprazada, elas buscaram a defensoria pública que ingressou com uma ação de execução de alimentos e ele, em não tendo como pagar, acabou indo parar na prisão.

Lá dentro, acabou ficando “escolado” e aprendeu tudo o que era necessário para iniciar uma vida voltada para o crime. Soube de todos os contatos necessários para comprar armas, adquirir drogas para revender, pessoas que fazem o transporte e outras “cositas mas”.

Ao sair, o fato de ter estado preso, fez com ele “subisse no conceito”, conforme se diz na gíria dos criminosos. Despreparado para obter qualquer tipo de emprego e com a mácula de ter sido presidiário, ele não pensou duas vezes: iniciou seu negócio de vender drogas e em breve, já estava com uma moto e um local bastante freqüentado por carros de luxo. Evidentemente, este fato acabou chamando a atenção das autoridades que acabaram fazendo uma “batida” no local e o rapaz acabou preso, acusado e condenado por tráfico de drogas. Triste final para algo que começou com um simples amor de adolescentes.

É que apesar de todos as informações que os jovens recebem hoje em dia, parece que nada adianta: a sexualidade ainda é praticada sem qualquer cuidado para evitar as doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez. E assim, temos uma sucessão de meninas gerando outras crianças, sem terem condições econômicas ou psicológicas para tanto.

Com pais e mães ainda não preparados para criarem um filho e com avós que precisam se ausentar o dia inteiro para obterem o sustento da família, eu fico me perguntando como é que essas crianças crescem. Quais os valores que acabam dirigindo suas vidas? Quais serão suas referências diante do fato notório de que a família que deveria ser para elas um ambiente de proteção integral, não vem mais cumprindo sua principal função que é justamente a de lhes dar o aporte afetivo necessário para o seu desenvolvimento saudável, despertando-as para os principais valores éticos e de conduta socialmente aceitos?

Fica bem evidente que, em sua maioria, os modelos que elas irão seguir, são aqueles ditados pelas ruas, pela falsa malandragem, pela pequenez de objetivos e de perspectivas e em breve, elas continuarão dando seqüência ao ciclo iniciado pelas suas gerações anteriores. Muitas dessas meninas em breve estarão trazendo à vida novas crianças condenadas ao desamparo e os meninos, possivelmente acabarão freqüentando a “universidade do crime” que é a prisão. É um círculo vicioso que, se não for cortado imediatamente por alguma iniciativa conjunta das famílias, da sociedade e dos governos, seguirá assolando e comprometendo inexoravelmente boa parte de nossas novas gerações.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS



Publicado no site

http://www.webartigos.com/articles/48051/1/MAESMENININHAS/pagina1.html


Publicado no site


http://www.artigonal.com/adolescentes-artigos/maes-menininhas-3374090.html


sábado, 23 de outubro de 2010

QUERIA SER


KARIMAN
QUERIA SER


Letra de música composta por Jorge André Irion Jobim e que fez parte do show Hoje eu Vou Fugir de Casa, apresentado pela Banda Kariman no Clube de Cultura em Porto Alegre no ano de 1.975


Queria ser
Como o vento que passa correndo de norte a sul sem parar
Queria ser
Como a água dos rios que correm prá o mar e se elevam aos céus
Depois cair
Sob a forma de chuva e molhar os cabelos dos que sabem amar
Eu queria ser o sol
E em cada amanhecer
Milhões de rostos beijar

Assim como estou
Não consigo romper as correntes que o mundo colocou em mim
Quero voar
Pelo infinito azul a buscar novos rumos e a fonte do amor
Mas ao tentar
Sinto o mundo barrando os meus passos e então volto a sentir o frio
Gelar o meu coração
O pranto amargo desliza e então
Só me resta gritar

Hey irmãos
Vamos transpondo mares e montes
Varmos alargar os horizontes
Vamos buscar um mundo de paz

Hey irmãos
Vamos vencendo as nossas mentes
E vamos plantando a semente
De um amor infinito
A cantar, a cantar.

Queria ser
Tanta coisa porém o destino dos sonhos é igual ao meu
Ao amanhecer
Eles morrem e eu sinto que vou morrendo aos poucos também
Realidade
Não permite que eu venha a construir o mundo que eu sonhei
Eu queria dar amor
Mas não sei mais de mim me perdi do caminho, só me resta gritar

Hey irmãos
Vamos transpondo mares e montes
Vamos alargar os horizontes
Vamos buscar um mundo de paz

Hey irmãos
Vamos vencendo as nossas mentes
E vamos plantando a semente
De um amor infinito
A cantar, a cantar.

Jorge André Irion Jobim. Músico e Advogado

A música era cantada pelo cantor Eduardo Ribeiro Camelo, o Edu. A gravação a seguir é bem rudimentar, apenas eu e meu violão, mas dá uma idéia da melodia.

QUERIA SER



quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ACASOS


Não gosto de encontros agendados, daqueles que nos induzem a termos emoções premeditadas, tal qual a daquelas pessoas que, ainda sem terem deitado os olhos no bebe recém-nascido, já vão exclamando a velha frase: “ ah, mas que coisa mais linda”.

Hoje em dia vejo gente andando na rua com seus celulares marcando reuniões a qualquer momento do dia. Eles deixaram de lado aquela sensação mágica dos encontros que ocorrem ao sabor do acaso, os únicos que nos provocam emoções verdadeiramente de alegria, dependendo é claro da pessoa com a qual nos encontramos. Tais momentos, sempre que acontecem, são cheios de lembranças e o tempo parece curto para tantas histórias a serem contadas. Neles, as reminiscências soam como uma tentativa de recuperar um longo tempo perdido e de reavivar imagens que já estavam se desbotando pela ação do tempo. Emoção pura, sem o artificialismo ou formalismo dos encontros marcados.

Acho que as modernas tecnologias deveriam ser deixadas apenas para serem utilizadas naqueles casos em que temos a quase certeza de que não veremos mais uma determinada pessoa a quem muito estimamos e da qual estamos prestes a nos afastarmos de maneira quase que definitiva. Aí sim, será válido o uso da tecnologia. Em tais casos, ela nos possibilitará aquele último momento de convivência, a última conversa, quase sempre acompanhada de algumas ou de muitas lágrimas Ah, e também para que, no momento de dizermos adeus, possamos guardar na retina aquela que poderá ser última imagem ao vivo daquela pessoa que nos é tão querida.

Já, em relação àquelas pessoas que convivem dentro de um espaço geográfico que proporcione uma razoável possibilidade de nos cruzarmos casualmente com elas, eu prefiro deixar que a aleatoriedade, a qualquer momento, me oportunize espontaneamente a emoção de encontrá-las em uma dessas muitas esquinas da vida. Só assim terei certeza da sinceridade das emoções que serão exteriorizadas.

Jorge André Irion Jobim

quinta-feira, 22 de julho de 2010

FLOQUINHO. O MESTRE-CÃO




Heresia, dirão alguns ao me ouvirem dizer que meu elo de ligação (re ligio) com o universo é o Floquinho, meu pequeno cãozinho de raça indefinida que há sete anos praticamente faz parte constante do meu dia-a-dia. Vivemos em uma relação, não de igualdade, mas de quase-igualdade pois eu o considero, como a qualquer animal, superior a mim e todos os outros insignificantes seres da minha espécie.

Nos anos de nossa convivência, muito tenho aprendido com ele. Cada vez que me deparo com um problema daqueles que costumam atormentar a todos nós, seres humanos e para os quais nunca encontramos resposta, mais admiração eu tenho pelo meu cãozinho. Aliás, devo dizer que, embora eu seja um ateu convicto, se tivesse que escolher uma forma para um deus qualquer, creio que ele estaria bem servido tendo a imagem e semelhança de um cão.

Que bom seria que o Floquinho pudesse me ensinar a ser bicho e a me livrar de todo esse nosso lixo cultural, passando a viver acima do bem e do mal e de outros milhares de maniqueísmos que construímos ao logo da história. Afinal, todos os nossos anos de estudo, construções faraônicas, obras de arte, centenas de livros devorados, complexas construções teóricas a respeito de tudo, nada consegue nos trazer as respostas que precisamos e até hoje ainda continuamos discutindo qual o rumo da humanidade sem atingirmos o nosso intento.

Pois o Floquinho, logo que clareia o dia, vai até a porta, olha, ouve e cheira o ar e pronto: apenas com os sentidos ele já sabe exatamente tudo o que precisa e qual o rumo a tomar. Sem traumas ou teorias. Apenas o agir.

E nós seres humanos, com todas as nossas ditas grandes conquistas, tudo o que temos de sobra é tão somente guerra, devastação e destruição de nosso próprio habitat, o planeta terra. Quanto mais aprendemos, mais duvidas aparecem e se buscamos soluções, mais a nossa confusão aumenta.

Confesso que muitas vezes já me peguei pensando que eu bem que gostaria de trocar essa nossa pretensa civilização por uma simples vida de cão. Longe dos seres humanos, é claro.

Espero que continuemos por muito tempo ainda esta nossa relação perfeita e respeitosa de aluno e professor. Ele o mestre e eu, o aprendiz.

Jorge André Irion Jobim

sábado, 8 de maio de 2010

KARIMAN. O REENCONTRO

Recorte do jornal Zero Hora de 1975.


PELAS BANDAS DO ROCK

Tudo começou naquela tarde de sábado, quando recebi um telefonema do baterista Tonho, antigo companheiro de música do Kariman, banda de rock dos agitados e confusos anos 70. Ele me passou um endereço, dizendo que eu fosse até lá que eu teria uma boa surpresa. Curioso, no horário determinado fui até o local e qual não foi minha surpresa quando dei de frente com meus outros antigos parceiros. Lá estavam o Edu (Eduardo Ribeiro Camello), o Taby (Altamir Floriano Pedroso) e naturalmente, o Tonho (Luiz Antonio Martins da Silva).

Foi uma grande alegria. Aqueles quatro amigos beirando os sessenta anos não se continham de tanta emoção diante daquele inesperado reencontro. Passamos horas relembrando antigas histórias vividas nos espinhosos caminhos do rock dos anos sessenta e setenta, época em que existiu o grupo Kariman, aliás, a primeira banda de rock de Santa Maria a ir se fixar em Porto Alegre. Era uma fase em que ainda se fazia um rock praticamente de forma artesanal, e esta é razão de tantas histórias que acabaram virando lenda.

Rememoramos diversos grupos com os quais convivemos e fizemos shows juntos. Entre eles, o lendário Bixo da Seda (antigo Liverpool) do Fughet Luz, Mimi, Marcos Lessa, Edinho e Pecos (substituído depois por Cláudio Vera Cruz). Também havia o grupo Bobo da Corte do guitarrista Zé Vicente Brizola e da baterista Gata, o Utopia de Bebeto Alves, além do Bizarro com a qual fizemos shows inesquecíveis no Elizabeth Parque Clube.

Como se ainda fossemos jovens, saímos a caminhar à toa pela cidade em meio a tantas conversas e lembranças. Até que escutamos música vinda de dentro de uma dessas casas noturnas que apresentam música ao vivo. Entramos e ficamos escutando, quando um dos músicos que havia nos conhecido, pediu para que déssemos uma “canja”, como se diz na gíria musical.

Não pensamos duas vezes. Subimos no palco e, embora não tocássemos juntos há trinta anos, desfiamos músicas de nosso antigo repertório como Something, Anytime at all, Dont let me down (Beatles), I Started the Joke, First of May (Bee Gees) Angie, Lady Jane (Rolling Stones) e naturalmente, músicas de nossa autoria como Queria Ser, Preciso Urgentemente lhe Falar, O Escritório, Hoje eu vou Fugir de Casa, Companheiro e tantas outras. Foi uma emoção inesquecível. Parecíamos de novo aqueles jovens músicos que sonhavam em mudar o mundo com a força de canções com melodias simples e letras ingênuas falando de amor e de um mundo de paz.

Lá pelas tantas, chegaram os nossos velhos amigos, Paulo Rosa e Bidão (Alcebíades Fernandes de Melo) que chegaram a fazer parte de nosso grupo durante algum tempo. Juntamo-nos em uma espécie de “jam session” e a música continuou fluindo de forma improvisada. Quanto mais a platéia aplaudia, mais queríamos tocar.

De qualquer maneira, tudo o que é bom tem que acabar. Chegou a hora da casa fechar e tivemos que ir embora. Como nos velhos tempos, fomos para um desses bares que amanhecem abertos e recebem aqueles boêmios de fim de noite, entre eles, os músicos, garçons e damas da noite que saem de seus trabalhos. Ocupamos uma mesa e continuamos nossa sessão nostalgia. Para relembrar nossos finais de noite no Mercado Público na época em que tocávamos em Porto Alegre, pedimos batida de mamão acompanhada com cachorro-quente.

Muita conversa rolou, até que resolvemos ir embora, cansados, mas com a alma leve e renovada com tudo o que havia acontecido. Nos despedimos fazendo planos de nos encontrarmos novamente e saímos, cada qual para o seu lado.

Fui caminhando devagar ainda envolvido por aquela emoção maravilhosa quando, de repente, ao virar a esquina, tive a sensação de que eu estava me desvanecendo e desaparecendo no ar. Quando abri os olhos, me dei conta de que estava deitado em minha cama com o meu cão Floquinho encostado aos meus pés.

Aí é que eu fui perceber que, infelizmente, tudo não havia passado de um sonho. Eram cinco horas da manhã e não consegui mais pegar no sono. Fiquei deitado na cama rememorando aquele sonho e lamentando que o fato dele não ter sido realidade.

Lá pelas tantas, o dia raiou e iluminou o quarto. Levantei e voltei para a minha atual realidade. Fui para a minha sala e logo eu estava envolvido novamente com livros, doutrinas, jurisprudências, petições e pesquisas. Desta vez, tangido por aquela estranha sensação de um reencontro que não aconteceu e envolvido por aquela suave nostalgia relativa a um tempo em que os jovens ainda planejavam um mundo melhor, acreditavam em utopias e sonhavam sonhos que hoje, não mais arriscamos a sonhar.

Jorge André Irion Jobim

Música Companheiro que fazia parte do repertório da Banda Kariman. Aqui ela foi gravada apenas por mim em um programa caseiro e com um velho violão que eu ainda conservo pendurado na parede. Pela falta de uso, ele já está fora de escala. De qualquer maneira, dá uma ideia de como era a música.

terça-feira, 6 de abril de 2010

O BOLO DE CHOCOLATE

Você sabe aquelas pessoas que estão sempre te criticando por qualquer coisa que faças? Pois eu vivo rodeado delas. Até sinto pena do Presidente Lula, atualmente transformado no grande Judas brasileiro, malhado de todos os lados pelos meios de comunicação subservientes aos interesses escusos das minorias. Veja-se que ele é considerado culpado de todas as mazelas que acontecem e aconteceram no Brasil desde a sua invasão no ano de 1.500. Já foi culpado inclusive de tsunames, terremotos, crises econômicas, nevascas, desmoronamentos etc. Chega a ser hilário o esforço que alguns jornalistas lacaios fazem para ligá-lo aos mais diversos infortúnio que ocorrem nos quatro cantos do mundo.

Como eu tenho algumas ideias fora dos padrões considerados normais, recebo críticas de todos os lados, algumas bastante iradas. Com minha mania de fazer a defesa do meio ambiente, algumas dessas pessoas, mesmo sem saber o que é, acreditam firmemente no antropocentrismo e acham que tudo que está ao seu redor é para servir ao homem. Assim, elas dizem que árvores são para serem cortadas e que os animais são para serem mortos sempre que isso trouxer algum benefício para os seres humanos, contrariando frontalmente o meu ponto de vista.

Agora, o que pensar quando uma dessas tuas críticas sistemáticas chega com um bolo de chocolate embrulhadinho em um plástico e te diz: - Toma de presente, eu ia passando em uma padaria, vi este bolo, lembrei que tu gostas e resolvi te trazer de presente?

Pois isso aconteceu comigo e, é claro, a minha primeira reação foi de perplexidade. Afinal, fiquei sem saber ao certo se ela estava brincando ou falando sério.

De qualquer maneira, fiquei imaginando que aquela pessoa poderia sim ter tido um “lampejo de bondade” e realmente se lembrado de tentar amenizar um pouco as críticas infundadas que está sempre me dirigindo. E assim, para não fazer desfeita, até porque sou presa fácil das tentações da gula, fui abrindo imediatamente o invólucro do bolo.

Ao abrir o plástico, percebi que já haviam cortado um pequeno pedaço dele. Bem, pensei eu; ela quis dar um provada, afinal, quem é que resiste a um bolo de chocolate? Sem me importar com isso, cortei uma fatia bem exagerada como sempre, e dei a primeira mordida. Foi quando eu percebi que ele estava totalmente “abatumado”.

Aí então é que eu fui perceber que na verdade, o tal lampejo de bondade” nunca havia lhe aflorado. Ela deve ter comprado o quitute para ela, provado, e, como é daquelas pessoas cheias de mania em relação aos alimentos, ao notar que ele estava meio cru, resolveu me fazer uma presença, alegando que “havia se lembrado de mim ao ver o bolo”.

Bem. Como eu disse, eu fujo aos padrões da normalidade e um dos sinais, é o de que eu gosto de pão abatumado. Eu comi todo o bolo que seria rejeitado pela maior parte das pessoas e espero sinceramente que todos os outros que ela venha a comprar, estejam no mesmo estado. Só assim, eu serei “lembrado” mais vezes e agraciado com tais presentes, ainda que eles provenham de uma repentina e falsa “faísca de generosidade”.

Jorge André Irion Jobim

segunda-feira, 1 de março de 2010

ABDUÇÃO DE FREGUÊS


Todo o pequeno estabelecimento comercial das periferias, entre eles os mercados, armazéns, botecos, vendas, biroscas e congêneres, vivem do comércio varejista de pequena monta, geralmente aqueles itens que as pessoas esqueceram de comprar nos grandes hiper e supermercados. Mas a melhor fonte de renda de tais negócios, é justamente a venda de bebida alcoólica, geralmente consumida em cadeiras colocadas do lado de fora de tais estabelecimentos.

Ao passarmos por alguns destes locais, sempre encontramos alguns fregueses que, em virtude da habitualidade com que os freqüentam, acabam se tornando umas espécies de móveis e utensílios dos ditos botecos. Alguns destes clientes são tão bons, que acabam tendo o privilégio de poderem abrir contas “no caderno” pagáveis sempre no fim do mês, época em que recebem seus salários ou suas aposentadorias.

Não é raro termos notícias de que alguns deles deixam na venda, quase 50% de seus ganhos. Como são bons pagadores, muitos deles são bastante disputados pelos donos das biroscas, claro que dentro de uma certa ética.
Será? Nem sempre. Às vezes isso acontece de maneira bastante inusitada. Por exemplo, alguém já ouviu falar em abdução? Para quem não sabe o que é, trata-se de uma figura vedada nas relações de direito internacional que se consubstancia em levar uma pessoa de um país para o outro através de fraude, violência ou sedução.

Pois outro dia, eu passando na frente de uma venda, vi um desses fregueses habituais bebendo sua famosa “cervejinha” na companhia do dono de outro estabelecimento bastante conhecido por ter também os seus fregueses “de fé”. Achei estranho aquele senhor sair do seu bar e ir beber em outro. De qualquer forma, achei que ele podia estar querendo “mudar de ares”.

Permaneceram ambos ali conversando durante certo tempo, até que, quando o “bebedor inveterado” estava já bastante “alegre”, o dono da outra venda se retirou, dando a entender que estava indo embora. Pois não é que dali uns dez minutos, ele retornou de carro e levou com ele o freguês “nota dez” daquele mercadinho?

Bem, até aí nada de mal, afinal, eles poderiam ter algum assunto pendente em comum e estarem saindo juntos para resolvê-lo. Acontece que mais tarde, quando fui fazer minha caminhada, ao passar pelo bar do segundo bodegueiro, quem estava lá? Pois é. Justamente aquele mesmo freguês preferencial da outra venda com o qual ele estava conversando anteriormente.

Foi então que percebi que se tratava de uma nova forma de ganhar na disputa de tais clientes bons pagadores. Vai-se até o lugar onde eles freqüentam, passa-se neles uma boa conversa, espera-se que os efeitos do ácido etílico os deixe mais vulneráveis e os convida a mudarem seus hábitos, aliciando-os a beberem em seus bares. É uma nova modalidade que, por analogia, podemos chamar de abdução de fregueses. É claro que no caso em que estou tratando, realizada através do poder de sedução do abdutor.



Jorge André Irion Jobim