segunda-feira, 23 de julho de 2012

A CASA VAZIA


Logo pela manhã, fiquei contemplando a casa vazia. Ali estava ela, impassível, alheia aos sentimentos que me afloravam aos borbotões naquele momento. Abri a porta e entrei, me deparando com alguns poucos objetos que ficaram para trás. Mas descobri que o vazio de uma casa não se configura apenas pela ausência de mobiliário, pois aquele que se instala em nossa alma em virtude da ausência das pessoas e outros seres vivos que nela habitavam nos ferem muito mais e de forma irreversível. Dei-me conta que não verei mais minha filha que morava ao lado de minha casa, sair pela manhã para o trabalho, sempre correndo, pois o tempo de quem trabalha e faz uma faculdade é sempre escasso. Eu que sempre observei embevecido o crescimento de minha neta, que há pouco tempo atrás ainda brincava com bonecas, bichos e plantas, percebi também que lamentavelmente não vou poder continuar acompanhando de perto seu crescimento, principalmente nesta fase de pré-adolescência em que ela já se encontra. Sem falar no cãozinho Koda, os gatos Ozzi e Pretão, sempre disputando o colo e as atenções de qualquer pessoa que entrasse na casa.

Tentei curar a minha dor apelando para aquelas velhas e surradas frases como “é a vida, afinal nós criamos os filhos para o mundo”. Não deu certo. Algumas dores não têm cura e uma delas, é a dor da separação de pessoas que amamos.


O que ameniza um pouco este meu sentimento de perda, é o fato de que minha filha Silvie Janis, logo após realizar seu objetivo de se formar em um curso que era o sonho dela (designer), vai começar a trabalhar na área que escolheu e para a qual eu sempre achei que ela tinha vocação, eis que envolvia uma atividade artística e uma coisa que ninguém duvida é que ela seja uma artista nata. Infelizmente o complemento de seu sonho, somente poderá ser realizado em um tipo de empresa que somente é encontrado em outros municípios. Assim sendo, após o devido prazo de experiência, ela foi contratada e em um gesto de coragem e arrojo que sempre lhe foi peculiar, resolveu mudar-se de “mala e cuia” para a outra cidade que a acolheu tão bem.

Pois no dia 28 de Junho, ao levar minha neta Nathalia para a escola, durante todo o trajeto, tive que esconder as lágrimas que teimavam em correr dos meus olhos. É que eu havia sido alertado para a dimensão daquele momento logo pela manhã quando me disseram que na próxima semana ela já estaria levando sua alegria e seu brilho a uma nova cidade deste Rio Grande do Sul. Aquela, portanto, era a última vez que eu cumpriria aquela tarefa que algumas vezes, devo confessar, eu me desincumbi um pouco contrariado por entrar em conflito com algum outro de meus interesses. Naquele momento, todos aqueles seus resmungos e atrasos na hora de sair para a escola, se desvaneceram e eu senti que eles ainda me trariam muitas saudades. Eu tratei de fixar na retina aquela imagem da última vez que ela descia do carro com os livros do colégio na mão e me dava tchau, desaparecendo na esquina.

Para elas que partem, novos horizontes com conquistas, surpresas, experiências, novidades que poderão se encontrados por estes “mares nunca dantes navegados”. Para nós que ficamos, um mar de lágrimas pela distância que nos separa destas pessoas cujas presenças nos marcaram tão profundamente. A partir do fim do mês de Junho, Santa Maria perdeu um pouco de seu brilho e encantamento. Ao menos para nós.

Jorge André Irion Jobim


Publicado no jornal A Razão de Santa Maria, RS, no dia 20 de Julho de 2.012

http://arazao.com.br/20072012_edicao.pdf


domingo, 15 de janeiro de 2012

NAS ASAS DA IMAGINAÇÃO



Na minha tenra infância eu tive uma amiga secreta. Era uma pequena ave com a qual eu conversava e que dizia chamar-se Imaginação. Todos os dias ao entardecer, nós nos encontrávamos perto de algumas árvores que existiam ao lado de minha casa naquela pequena cidade do interior em que eu morava e ela me deixava montá-la, partindo comigo em longas revoadas pelo céu aberto. E lá ia eu feliz cruzando os ares e olhando tudo sob aquele novo ângulo que me permitia a minha amiga Imaginação. Viagens incríveis durante as quais íamos conversando e trocando nossas impressões a respeito de tudo o que víamos.

Nossa amizade parecia indestrutível. Até o dia em que eu falei sobre minhas aventuras para uma menina mais velha que morava nas redondezas e ela, rindo de mim, afirmou que eu estava sonhando, afinal, aves não falam. E depois, como poderia um pássaro tão pequeno carregar um menino tão grande? Minha história não tinha pé e nem cabeça, contrariava todas as leis da ciência e da lógica, disse-me ela zombando de minhas afirmativas.
O que eu não sabia, é que naquele momento Imaginação vinha chegando para me encontrar e escutou tudo o que a menina havia dito. Aquelas palavras foram como uma pedrada atirada por um bodoque chamado realidade. Elas atingiram em cheio minha amiga Imaginação, quebrando-lhe uma das asas e derrubando-a ao chão. Tentei ajudá-la, mas, assustada, ela correu e embrenhou-se no meio das árvores desaparecendo de minha vista. Todos os dias eu voltava ao local de nossos encontros, porém ela nunca mais retornou, até o dia em que tivemos que mudar de cidade em função do trabalho de meu pai.

Muitos anos se passaram e por muitos lugares eu passei. Em cada um deles eu lançava meu olhar em todas as direções na esperança de reencontrar a minha velha amiga de infância. Isso nunca mais aconteceu. Eu até encontrei uma outra ave que, de tão bonita que era, eu apelidei de Utopia e da qual eu tentei me aproximar e conversar. Foi inútil. Ela não me respondeu e fugiu para longe como fazem todas elas diante da proximidade dos indesejáveis seres humanos.

De qualquer maneira, eu não perdi a esperança e como se fora uma obsessão, eu até hoje ainda sonho com o dia em que voltarei a encontrá-la. E quando isso ocorrer, mais uma vez como naqueles velhos tempos, ainda que em um derradeiro vôo, eu viajarei em direção ao infinito nas asas da minha velha amiga Imaginação exatamente como eu costumava fazer no alvorecer de minha vida.

Jorge André Irion Jobim

Publicado no Diário de Santa Maria, RS, no dia 10 de Janeiro de 2.012