Entre
as provas apresentadas pelo Ministério Público Federal para incriminar um
delatado, está um endereço de e-mail criado dias depois de a denúncia ter sido
apresentada. O endereço faz parte de um conjunto de documentos apresentados por
delatores numa investigação sobre operações ilegais com dólar e serviria para
comprovar a identidade de um dos acusados. Mas, segundo petição a que a ConJur
teve acesso, a prova foi fabricada depois de a acusação ter sido feita.
Os
documentos foram enviados pelo MPF à 7ª Vara Federal Criminal do Rio de
Janeiro, que tem como titular o juiz Marcelo Bretas. São páginas de um banco de
dados que, segundo o MPF, foi criado para controlar os pagamentos feitos e
recebidos pelo grupo de doleiros investigados. O e-mail seria uma forma de
comprovar o cadastro do delatado: no sistema, aparece um apelido, a data em que
os denunciados teriam passado a integrar a rede de
lavagem
de dinheiro e a última transferência de recursos.
Mas
a existência do endereço só prova que a prova foi fabricada para dar substância
à delação. O depoimento foi dado ao MPF em fevereiro de 2018. A operação,
apelidada de "câmbio, desligo", foi deflagrada três meses depois, no
3 de maio. E o e-mail, criado no dia 8 de maio, segundo a Microsoft informou à
defesa do réu, feita pelo advogado Paulo Victor Lima Carlos. Procurado pela
ConJur, ele não quis comentar o caso.
Na
petição, ele argumenta que a denúncia está “eivada do vício de inépcia”, porque
não descreve o crime pelo qual seu cliente é acusado. Ele foi, segundo o
advogado, "denunciado por ter trabalhado em uma casa de câmbio e ter sido
denunciado em outra ocasião".
As
investigações foram anunciadas como uma operação para desarticular um esquema
de operações ilegais com dólar no mercado paralelo. Elas se baseiam nas
delações premiadas dos doleiros Vinícius Claret, conhecido como Juca Bala, e
Cláudio de Souza, ou Tony.
De
acordo com os procuradores, os doleiros desenvolveram e entregaram um sistema
informatizado próprio, chamado Bankdrop, para controlar as transações. O outro
sistema, chamado ST, registrava todas as operações de cada doleiro como uma
espécie de conta corrente e foi usado para controlar a movimentação dos
recursos tanto no Brasil quanto no exterior.
Provas
da delação
Em
setembro de 2018, reportagem da ConJur mostrou laudo que dizia não ser possível
atestar a validade das "provas" colhidas na investigação. À época, as
defesas não tiveram acesso ao software, apenas a imagens das telas dos
sistemas. Somente em janeiro deste ano o MPF apresentou nos autos um HD, desta
vez contendo o sistema e as bases de dados.
Na
petição, o advogado argumenta que os sistemas "parecem compilados de
planilhas e bancos de dados produzidos unilateralmente pelos delatores (e que
só por eles pode ser lido e entendido)", e exigem análise técnica. O
documento foi apresentado à 7ª Vara na sexta-feira (22/3).
Chama
atenção na petição que, ao negar acesso ao sistema, o juiz Marcelo Bretas
afirmou que o BankDrop "é um sistema, que, salvo engano, admite inserção e
subtração de dados". O advogado afirma que o fato de o sistema poder ser
editado "coloca à prova sua confiabilidade para lastrear a persecução
penal".
"Não
se sabe, realmente, detalhes de seu suposto funcionamento à época dos fatos ou
das modificações que teriam sofrido desde a celebração dos acordos de
colaboração premiada que ensejaram a denúncia. E muito menos se tem conhecimento
de que estejam acompanhados de quaisquer mecanismos de autenticação",
afirma.
Fernanda
Valente é repórter da revista Consultor Jurídico
Revista
Consultor Jurídico
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