terça-feira, 22 de dezembro de 2009

CENAS DE NATAL


Jesus Cristo e os vendilhões do templo

De início, devo deixar claro que não gosto do Natal, assim como não gosto de outras datas que incentivam as pessoas ao consumismo desmedido Impreterivelmente, é uma data em que ficam mais transparentes as desigualdades sociais, já que algumas poucas crianças ganham presentes caríssimos e participam de lautas refeições, enquanto outras tantas têm que entrar em alguma fila de doações para ganhar um presentinho qualquer e algum cachorro-quente acompanhado com um copo de um refrigerante barato.

Se o Natal possuía algum significado mais profundo, ele acabou se diluindo na força irresistível do apelo da orgia de consumo que só favorece ao capitalismo, insensível a tais desigualdades.

Nessa época, sempre me acorrem de maneira mais intensa, já que eu as tenho presentes diuturnamente desde que as vi acontecerem, algumas situações que eu assisti com meus próprios olhos e que me marcaram sobremaneira.

Uma delas, foi a cena de um menino na frente de uma loja de brinquedos na Rua do Acampamento, em cuja calçada estavam expostos alguns brinquedos. Entre aqueles objetos do desejo de qualquer criança, estava um caminhãozinho grande, com direção, alavanca de mudanças, pedal de freio, enfim, parecia um veículo verdadeiro. O menino mal vestido e de pés no chão, talvez consciente de que nunca poderia almejar ter um brinquedo daquele porte, à distância, utilizando-se apenas da própria imaginação, movimentava as mãos e reproduzia com a boca o som de um carro, como se ele próprio estivesse dirigindo e tocando o objeto que lhe era impossível adquirir.

Aquilo sensibilizou várias pessoas que passavam pelo local e percebiam a cena comovente. Eis que de repente, um rapaz uniformizado, evidentemente contratado para fazer a segurança da loja, aproximou-se do menino e mandou-o se afastar dali pois estaria atrapalhando os fregueses. Como o garoto não obedeceu, ele acabou pegando-o pelo braço e levando-o para longe, mesmo diante da manifestação de repúdio de algumas pessoas que estavam por perto. Ele parecia orgulhoso e seguro de estar cumprindo um dever sagrado. Ou seja, era o espírito do natal capitalista aflorando na atitude daquele segurança. O menino mal trajado e despossuído estava atrapalhando o trânsito das pessoas com poder aquisitivo para levar para casa os produtos expostos.

Era na verdade, alguém a quem pagam um salário irrisório que o coloca um pouco acima da condição de indigente, reprimindo pessoas em condições de total miserabilidade com o objetivo de proteger o vasto patrimônio de empresas caracterizadas pela impessoalidade inerente às modernas técnicas de gestão de recursos humanos que, tão logo não precisem mais dele, o colocarão no olho da rua sem pensar no drama que irão causar em sua vida e sem contar com o fato de que então, ele voltará à mesma condição daquelas pessoas as quais ele um dia reprimiu.

Diante de cenas assim, eu me pergunto: será que aquele menino que nasceu há mais de dois mil anos, que teve como berço uma simples manjedoura ficaria feliz assistindo ao show de artificialismo e consumismo em que transformaram a data do seu nascimento? Será que ele não teria a mesma reação que teve quando, percebendo que seu local sagrado havia se tornado um local de comércio e de exploração, investiu irado contra os vendilhões do templo munido de um chicote expulsando-os dali?

Jorge André Irion Jobim
Publicado nos sites

sábado, 7 de novembro de 2009

NICOLY MOSSATTE RAMOS. O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO



Pois a menininha que nos emocionou quando nasceu, até pelo fato de ser filha de uma mãe que estava recém adentrando na adolescência, já está completando um ano hoje, dia 07 de Novembro de 2.009.

Eu acabei me tornando seu padrinho e mantemos um contato quase diário, o que me propicia tentar implantar nela desde pequena, o amor pelos animais e pelas plantas. Bem, na verdade eu acho que ela já demonstra ter uma personalidade bastante forte e não será fácil convence-la de qualquer coisa na qual ela não acredite realmente. De qualquer forma, vou seguir cumprindo o meu papel de padrinho anarquista, tentando livra-la do germe do consumismo.



Lembro-me que quando ela nasceu, a primeira mensagem que dei para sua mãe, Ruliani Mossatte Ramos, foi a de que “O MELHOR CONSELHO É O EXEMPLO”. Parece-me que a minha máxima foi bem aceita e ela está tentando segui-la.



Ao vir ao mundo, Nicoly me inspirou a compor uma musica de ninar para a qual eu dei o nome de Canção para Ninar Nicoly. Gravei a melodia em um programa caseiro do computador e dei de presente para ela em um CD. Dizem que muitas vezes ela dormiu embalada pela minha musiquinha. Quem quiser ouvir, é só clicar abaixo. A letra é assim:

Canção para Ninar Nicoly

Paz na terra
Que a Nicoly já nasceu
Refrão
Cessem as guerras
Que a menina adormeceu

Perfilaram-se os planetas
Iluminaram-se as estrelas
No céu, uma salva de cometas
Tudo para recebe-la

Refrão

A vida fluiu naturalmente
Sem desvios, sem barragens
O universo todo se curvou
Só para lhe dar passagem

Refrão

Nana nenê
Que ninguém vai te pegar
Os bichos vivem na floresta
E o boi só quer pastar

Nana nenê
Que eu não vou trabalhar
Hoje é feriado nacional
Estou aqui só para te cuidar

Jorge André Irion Jobim



A menininha recebeu uma homenagem dos padrinhos Jorge André Irion Jobim e Adriane Guarienti através da publicação de uma foto e de parte da letra da Canção de Ninar Nicoly no Jornal A Razão de Santa Maria, RS, no dia 06 de Novembro de 2.009. É só clicar abaixo e procurar na seção Galerinha de Vilceu Godoy.
http://www.scribd.com/doc/22189042/061109

domingo, 16 de agosto de 2009

EDITORA PODER

Toda criança demonstra desde a tenra idade algumas tendências daquilo que poderá vir a exercer profissionalmente no futuro. Lembro-me que, atraído pelo mistério que envolvia a liturgia e o brilho das catedrais, minha primeira vontade foi a de ser padre. Por conta disso, li o velho testamento que vinha em capítulos em uma enciclopédia que meus pais assinavam e da qual recebíamos um volume por mês. Achei aquilo tudo uma atrocidade mas ainda assim, li um resumo do novo testamento. Foi aí que descobri que estava no caminho errado, já que a pompa e a riqueza dos templos religiosos, contraditoriamente não combinavam com a vida difícil e simples dos primeiros apóstolos.

A seguir, de tanto ler histórias nos livros de criança, eu enveredei para o lado da química, aliás, da alquimia, já que eu juntava as provetas velhas e rachadas de uma farmácia que havia ao lado de minha casa e nelas vivia misturando chás que eu considerava misteriosos no afã de descobrir a panacéia, o elixir da longa vida ou a pedra filosofal. Como evidentemente eu nunca cheguei a resultado algum, acabei desistindo.

Foi então que descobri os super-heróis. Passei a querer ser um soldado defensor dos fracos e oprimidos, que andaria pelo mundo sempre lutando em defesa da justiça. Mitos de minha adolescência como Che Guevara e Fidel Castro, ajudavam a acalentar meus sonhos.
É claro que entremeado a tudo isso, somado ao fato de que o Brasil havia sido bi-campeão mundial em 1958 e 1960, eu pensei também em me tornar um jogador de futebol, coisa que, como já relatei em outro artigo, acabou não dando certo. Foi então que comecei a estudar as notas musicais, encantei-me com elas e, embalado pelos Beatles, Rolling Stones, Roberto e Erasmo Carlos, Vanderléia, Jerry Adriani, etc., acabei descobrindo a minha grande vocação: ser músico. Na adolescência eu adorava compor musiquinhas simples falando dos amores da juventude e acabei exercendo a profissão por mais de trinta anos. Embora hoje eu seja advogado, foi a minha grande paixão. Como se vê, foi uma longa sequência de tendências até chegar ao que eu realmente queria.

Com meu filho André Vinícius não foi assim. A única coisa em comum que tivemos, foi a vontade secreta de jogar futebol mas acho que isso não vale pois eu não conheço um menino que não tenha sonhado em brilhar nos gramados. Ele desde cedo teve uma tendência muito grande pela leitura e vivia devorando livros. Não contente com isso, resolveu escrevê-los. Para tanto, criou aquela que ele chamou de Editora Poder. De posse de alguns pacotes de folha de ofício, passou a criar jornais, documentários, enciclopédias e revistinhas para todos os gostos e idade que acabaram ficando famosas aqui na Vila Norte, já que ele as vendia na vizinhança por preços simbólicos. Até hoje eu encontro pessoas que me falam que guardaram como todo o carinho os exemplares que compraram.

Eu me tornei o fã nº 1 de suas publicações e seu comprador preferencial. Hoje tenho mais de uma centena delas guardadas. Ah, é importante frisar que eram todas artesanais, não eram repetidas; cada exemplar era único, tal qual uma obra de arte de um pintor ou um escultor famoso.

Outro dia fiquei encantado revendo algumas de suas revistas. Pude constatar que por elas passaram todos os grandes acontecimentos ocorridos no mundo entre os anos de 1989 a 1998, fase em que ele as escreveu. Claro que tudo sob a ótica inocente de uma criança, coisa que as torna mais interessantes. Na área musical, ele escreveu sobre várias bandas tal como, Rolling Stones, Wings, além de uma série antológica sobre os Beatles, na qual existem desenhos dos quatro cabeludos de Liverpool que nos causam dúvida sobre terem sido feitos por uma criança. Para não dizer que ele apenas escrevia sobre os grandes astros da música, devemos ressaltar que existe uma revista em que ele escreveu sobre o desconhecido Musical Aquarius, banda na qual eu tocava na época. Havia histórias de heróis conhecidos, como o Batman, National Kid, Capitão Gancho, etc., mas também personagens criados por ele mesmo, como Dion Taiger Charigen, Liu Kang, Miafino, Condor Man, Capitão Natureza, Astropectan, Super Lesma, Capitão Feio, O Homem Capoeira, Detkon TC, Fox Man, etc.

Na área cultural, tivemos dicionários das palavras mais usadas na língua portuguesa, cursos de espanhol e de inglês, Atlas do Brasil, Dino O Livro, Plantas Medicinais, Saúde e Vida, Corpo Humano e Inventores de Verdade. Havia algumas revistas em série, entre elas a Poder Rural, Poder Negócios e o Poder Ciência.

Eram interessantes também, as histórias sobre a gurizada da vila, cujas proezas foram imortalizadas em revistas como A Turma do Nicinho, A Turma da Cleuzinha A Turma da Tuca e A Turma da Tina. De não menos valor, tínhamos as revistas de Horóscopo, Previsões, Folha de Notícias, Livro de Piadas, Retrospectivas e a Revista da TV.
O forte de suas publicações no entanto, eram as revistas de esporte. Ele praticamente documentou todo o desenrolar da Copa de 1.994 na qual o Brasil sagrou-se tetracampeão mundial. Escreveu revistas sobre o Grêmio e o Internacional, além de outras em que discorria sobre os grandes clubes do mundo.


Bem, o menino cresceu, foi para a faculdade e hoje é formado em História. A primeira vista, pode parecer que ele desistiu de ser um editor, porém eu acho que não. Acredito que ele apenas está dando um tempo. Seu amor pelos livros permanece e ele busca incansavelmente o conhecimento. Ele ainda não tem condições de ter sua própria editora, porém continua escrevendo coisas e publicando, não em livros impressos por ele mesmo, mas em um destes instrumentos modernos de disseminação de idéias, os blogs. Mas quem sabe daqui a algum tempo ele não venha a espraiar conhecimento para além dos limites da Vila Norte, fazendo ressurgir a lendária Editora Poder com todo o esplendor dos seus anos dourados. Eu tenho um sério palpite de que o sonho ainda não acabou.

Jorge André Irion Jobim

quinta-feira, 18 de junho de 2009

REINO DA ATAVUS. A PRINCESA NATHÁLIA


A história


Seguidamente me pego lembrando do tempo em que eu ficava fascinado com algumas histórias que meu avô contava quando eu era menino. Ele tinha um jeito todo especial para contá-las, já que havia passado por muitas experiências, tendo uma visão da vida completamente diferente daquela que tinham as outras pessoas.

O reino de Atavus

Ele sempre relatava que em uma de suas viagens pelas longínquas terras do norte, passou por um reino chamado Atavus, nome que era originário da língua latina e que significa o pai do trisavô ou da trisavó, ou seja, os antepassados. Em português significa aquilo que é transmitido ou adquirido por atavismo, que é justamente a herança de certos caracteres físicos ou psíquicos de ascendentes remotos. O nome vinha do fato de que os habitantes do reino acreditavam que todas as verdades últimas nos são transmitida geneticamente, bastando que nós saibamos revelá-la através da meditação profunda.

A religião

Segundo ele, o que mais lhe chamou a atenção no reino de Atavus, foi o fato de que lá não havia religião e portanto, não existiam deuses. A população atendia suas necessidades místicas plenamente apenas com a comunhão e harmonização com o universo. Assim sendo, não havia necessidade alguma de religiões que pudessem aprisionar suas mentes.

Os pecados

Lá também não existiam pecados, já que os habitantes em harmonia com o todo, seguindo o fluxo natural da vida e aceitando que os outros também o seguissem, não extrapolavam os limites praticando condutas que pudessem ser lesivas ao grupo e que pudessem ser erigidas à condição de pecado.

O governo

No reino de Atavus, as pessoas que mais se destacavam por seu conhecimento, sabedoria e ações, eram naturalmente elevados pela população à condição de governantes, passando a ser chamados de Rei ou de Rainha. Na verdade, eram uma espécie de grandes conselheiros que, tal qual um farol, procuravam indicar aos demais habitantes, qual o caminho a ser seguido nas questões essenciais que pudessem abalar o reino.

Os reis

Contava meu avô que na época em que ele por lá passou, o rei e a rainha eram pessoas muito sábias e magnânimas. Pairava porém, uma certa tristeza no semblante das pessoas, pois apesar de toda sua paz e harmonia, faltava-lhes alguma coisa que eliminasse uma espécie de cor cinzenta que predominava no reino e que retirava um pouco da alegria dos habitantes.

A princesa

Foi justamente por isso, que as forças da natureza que tinham um carinho especial pelo Reino de Atavus, se reuniram extraordinariamente e resolveram que para atingir a perfeição, ele precisava de alguma coisa que lhe trouxesse alegria e colocasse sorrisos nas faces de seus moradores. Foi assim que decidiram enviar para o rei e a rainha, uma princesa cujo destino seria o de colorir o reino com as cores da felicidade.

O nome

Logo que ela nasceu, ares de um novo tempo já começaram a soprar por todo o território de Atavus e os pais orgulhosos tiveram que decidir qual seria o nome dessa princesa. É necessário esclarecermos que, na época, os nomes eram dados posteriormente ao nascimento da criança, sempre levando em conta as características e tendências naturais por ela apresentadas logo em seus primeiros anos. Tal qual acontecia com algumas tribos indígenas, eles entendiam que o nome deveria surgir naturalmente, como se fosse dado pelo próprio universo através do murmúrio do vento.

A escolha

E assim aconteceu. A primeira parte do nome da princesa foi fácil. Como os reis eram muito eruditos, decidiram que o nome iniciaria com “nata”, palavra de origem latina que significa filha. Só faltava agora, a continuidade do nome, justamente a parte que iria caracteriza-la e diferencia-la das demais crianças. Foi assim que passaram a observa-la atentamente na medida em que ela ia crescendo.

Como a menina vivia no mundo da lua, chegaram a pensar em chamá-la de Nathalua. Mas a rainha observou que ela também gostava de contos, histórias e lendas, surgindo a idéia do nome Nathalenda. Não, pensou o rei; ela vive correndo e girando como um vento norte; vamos chamá-la de Nathavento.

Até que, finalmente, como observaram que ela era uma criança que lia o dia inteiro, decidiram dar-lhe o nome de Nathalia. Acontece que a população, por acha-la muito linda, acabou apelidando-a de Nathalinda e esse foi o nome que acabou predominando.

A aquarela

Dúvidas à parte, meu avô ressaltava que a partir do momento em que a Princesa Nathalia ou Nathalinda nasceu, o reino nunca mais foi o mesmo. Tal qual uma aquarela viva, ela passou a colorir todo o reino com suas cores alegres e contagiantes.

Mas não era só isso. Muitas histórias de suas traquinagens ficaram célebres, cruzaram mares e montanha, sendo até hoje contadas pelos quatro cantos do mundo. Bem, mas isso é assunto para outro capítulo. Esperem e verão.

Jorge André Irion Jobim.

sábado, 9 de maio de 2009

OS IDIOTAS DO “EU TÔ PAGANDO”

Nelson Rodrigues nas colunas que escrevia nos jornais que eu lia em minha adolescência utilizava-se de alguns personagens para atacar as elites. Entre eles estavam os Intelectuais de Passeata, que eram romancistas sem romances, poetas sem poesia, pintores sem pintura, cineastas sem filmes. Havia também a Estudante de Psicologia da PUC, moça que morava num apartamento na Vieira Souto, posava de intelectual, fazia análise e era desquitada. Um dos seus mais famosos personagens foi o Arcebispo Vermelho, usado para criticar D. Helder Câmara que ele entendia que tinha uma postura política com caráter autopromocional. O meu preferido era o Obtuso do Óbvio Ululante, aquele que apenas assentia ou repetia o que todo mundo estava cansado de saber.

Como se pode perceber, Nelson Rodrigues tinha por hábito ridicularizar e criar imagens caricaturais dos tipos que queria criticar.

Eu nunca gostei de estereótipos, porém observando alguns indivíduos, não posso resistir à tentação de criar meus próprios personagens. São pessoas que merecem ser caricaturizadas e estereotipadas, já que acabam se repetindo e incorrendo em alguns chavões, tudo com o objetivo de não precisarem raciocinar e, reconhecendo seus erros, mudarem suas atitudes. Assim agindo, continuam a reproduzir e transmitir aos outros algumas condutas prejudiciais a elas e à comunidade em que vivem.

Vamos a um exemplo. Você já tentou alertar alguém que está lavando a calçada ou o automóvel com a água ligada o tempo todo, num claro desperdício de água potável? Pois é. Se você não gosta de brigar ou é avesso à ignorância premeditada, não o faça. Você escutará aquela desprezível e irritante frase que é um atestado de burrice e alienação, ou seja, “eu to pagando e ninguém tem nada que ver com isto”.

Eu já desisti de fazer tais pessoas compreenderem as implicações que teremos no futuro do planeta em virtude de tais desperdícios, porém não tenho outra saída que não a de chamá-los todos de “os idiotas do eu tô pagando”.

Jorge André Irion Jobim. Advogado.

sábado, 18 de abril de 2009

FIDELIDADE CANINA

Fotos do casal Lupi (cão preto) e Lady (amarelada)



Ela chegou na calada da noite e misteriosamente, acomodou-se em frente ao portão da casa frontal à minha. Ficava brincando com o Lupi, cão do vizinho da referida casa e, por mais que tentassem enxotá-la, sempre retornava e por ali se acomodava. No dia seguinte, escutei uma senhora que estava esperando o ônibus na parada em frente, gritar com ela, mandando-a para casa e chamando-a de Lady. De qualquer forma, ela não obedeceu a ordem, permanecendo no local.

Vários dias se passaram e a cadelinha Lady não foi embora. Ficou brincando com Lupi, ela do lado de fora e ele do lado de dentro do pátio, ambos separados pelo portão de ferro. Em pouco tempo, ela entrou no “cio” e começou a procissão de cães em nossa rua, todos eles disputando o privilégio de copularem com Lady. Inexplicavelmente, ela rejeitava-os todos sistematicamente, somente cedendo ao assédio do cãozinho Lupi, justamente aquele pelo qual ela parecia estar enamorada.

Bem, a confusão de cães a qualquer hora do dia ou da noite era tanta, que o vizinho resolveu colocá-la dentro do pátio, juntamente com o Lupi. Era tudo o que ela queria. Ali ficou feliz, trocando suas carícias apenas com aquele que seu coração canino elegeu. Quanto ao resto da cachorrada, ficou do lado de fora só na base do “voyerismo”. Ah! Menos um, o Coda. O cãozinho pinscher que, por seu tamanho conseguia entrar por uma fresta da cerca, ficava em roda do casal, sem conseguir atingir seu intento, eis que, a cada investida, era logo rechaçado pelos dois amantes.

Ao passar o período fértil da cadelinha, eu achei que ela iria embora. Não foi o que ocorreu. Ela continuou ali, vivendo com o cão que parecer ser a sua cara metade. Ficam os dois repartindo o mesmo pano de dormir, comendo a mesma comida e fazendo demonstrações de afeto como se namorados fossem. Trata-se de um estranho caso de amor entre cães com o qual eu nunca havia tido a oportunidade de me defrontar, capaz de fazer inveja até mesmo aos Romeus e Julietas da vida. Literalmente, trata-se de um caso da tão propalada fidelidade canina.

Jorge André Irion Jobim

domingo, 12 de abril de 2009

A COLIGAÇÃO


Tudo ocorreu em um domingo há quase vinte dois anos atrás. O sol quente das primeiras horas da tarde parecia acentuar ainda mais o clima de monotonia que reinava na Vila Norte, acelerando também os efeitos da cachaça barata que era ingerida pelos homens reunidos do lado de fora do “boteco” do meio da quadra da Rua Alfredo Carvalho. A medida em que os sucessivos “martelinhos” iam sendo absorvidos, esquentavam também os ânimos dos homens, envolvidos que estavam em uma discussão que girava em torno da política.

Sentado sob a sombra de um pinheiro, eu observava atento, pois sempre me senti fascinado pelo espírito comunitário que impera nas rodas dos bebedores de cachaça. Todos bebem, não ficando ninguém de fora, não importando quem paga. Mesmo aqueles que na chegada se diziam “estar duros”, após alguns goles, como que por magia, descobrem que tinham nos bolsos uma cédula perdida, que naturalmente será utilizada para pagar “mais uma”. Normalmente, no dia seguinte irá faltar alguma coisa nas já minguadas refeições daqueles homens, quase todos operários mal remunerados.

Durante os debates ali travados, passaram em pauta os mais diversos assuntos políticos. Dividiam-se as opiniões sobre quem ganharia para governador do Estado nas próximas eleições, porém, o assunto que mais causava polêmica era sobre qual dos partidos políticos, o PMDB ou PDT, teria direito à herança política deixada pelo ex-presidente Getúlio Vargas. Nesses momentos o “seu Candinho”, um aposentado da Viação Férrea, com os olhos injetados de ácido etílico e de saudosismo, contava histórias sobre como eram bons para os trabalhadores, aqueles tempos em que vivíamos sob o governo daquele que, ao se referir, ele chamava de “o nosso último grande caudilho”.

Eu, cá com os meus botões, fiquei fazendo comparações, analogias entre a cachaça e a política. Ambas têm pontos em comum, sendo que um deles é o fato de que servem para embriagar, desviando o pensamento dos humildes de suas tristes realidades. Eles, sob o efeito da aguardente, criam as mais incríveis soluções para problemas seculares, daqueles que vêm afligindo os governantes e filósofos através dos tempos. A política, por outro lado, tem o poder de semear esperanças nas mentes simples destes operários, fazendo-os sonharem com o dia em que, se eleitos os seus favoritos, poderão comer ao menos uma vez por dia, um bom bife com batatas fritas.

Da cachaça, sempre “batizada” com uma generosa dose de água por conta do dono da “birosca”, só resta no dia seguinte uma incrível ressaca que eles tentam curar através de chazinhos, cujos benefícios eles aprendem oralmente e são transmitidos de geração em geração. Isso para que não percam um dia de trabalho, sob pena de serem demitidos.

Da política, passadas as eleições, sobra apenas a desilusão, com o conseqüente recolhimento dos candidatos vencedores às suas redomas criadas pelo poder. Não mais candidatos nas vilas, não mais sorrisos, não mais o orgulho de ter apertada a mão e ter escutado de um deles, palavras de esperança, de incentivo. Apenas o antigo esquecimento.

Estava eu perdido nessas divagações, quando de repente fui trazido de volta ao cenário pelos gritos exaltados dos componentes do grupo de amantes da “purinha”. Acontece que o “seu João Carpinteiro”, sentindo-se ferido em seus brios, resolveu partir para a mais antiga maneira de decidir questões pendentes, isto é, a agressão física. O agredido foi o “seu Antão”, um homem negro que, embora de idade avançada, tem uma estrutura física avantajada, conseqüência de longos anos de trabalho braças como “coqueador” de sacos, sendo que no “entrevero”, até “ferro branco” surgiu, não se sabe de onde. Felizmente todos estavam em adiantado estado de embriaguez, não conseguiam os oponentes nem mesmo se manter em pé por suas próprias forças, quanto mais brigar.

A coisa não ia passar do “já te pego”, “já te largo”, não fosse a intervenção do dono do bar, em cujas qualidades não se pode enumerar a de ter paciência. Deu de mão num relho trançado que ele guarda estrategicamente pendurado em um dos toscos armários de seu estabelecimento, usado para resolver “pendengas” surgidas entre seus habituais fregueses e para aplicar penas aos maus pagadores, aqueles que acham que o preço está além daquilo que eles realmente beberam. Distribuiu ele cinco ou seis “relhaços” nas costas dos brigões, fazendo com que os mesmos tentassem uma retirada honrosa e nesse afã, tropeçassem um no outro, caindo ambos enrodilhados no chão. Mais algumas bordoadas foram desferidas e eles, ao tentarem escapar, notaram que não havia saída; somente apoiados um no outro poderiam fugir da ira do comerciante. E assim aconteceu: lá se foram eles abraçados, humilhados rua afora, emitindo gemidos de dor (pois um relho trançado não deixa dúvidas) e proferindo palavrões e promessas de vingança.

Encerrou-se sem maiores incidentes o fato, restando apenas as considerações comentários dos vizinhos abelhudos que, ansiosos por novidades, haviam deixado seus afazeres de lado para assistirem ao evento.

Quando mim, para não dizer que nada aprendi com o ocorrido, posso afirmar que pelo menos uma coisa ele teve de positivo; descobri que a cachaça, frente às circunstâncias adversas que se apresentaram para os nossos ferrenhos opositores, conseguiu uma coisa que antes, durante as discussões, parecia impossível, isto é, a COLIGAÇÃO entre o PMDB e o PDT.


Jorge André Irion Jobim

segunda-feira, 6 de abril de 2009

FARDOS PESADOS

Outro dia passou na frente da minha casa um menino franzino carregando com muito esforço, dois sacos cheios de recipientes de plástico. Perguntou-me se eu não possuía algumas garrafas vazias para lhe dar. Eu costumo guardar algumas para acumular água da chuva com a finalidade de regar as plantas, porém, como existiam umas quatro vazias, acabei dando-as ao menino.

Bem, esta é uma coisa corriqueira hoje em dia, porém o que me marcou bastante, foi o fato de ele ter me relatado que estava juntando dinheiro para fazer o tratamento da irmã que estava doente. Falou-me ele que todos os dias passaria por ali e pediu que, se eu conseguisse juntar outras garrafas, as guardasse para ele.

Alguém poderá dizer maliciosamente que o menino “me passou a conversa”, falando em tratamento da irmã apenas para me sensibilizar e entregar todo o material para ele com exclusividade, já que são várias as pessoas que passam pelas ruas procurando material reciclável. Pode até ser, porém prefiro dar um voto de confiança àquele menino que me falou de uma maneira tão firme e convincente, que eu não me atrevo a duvidar de seus motivos. Até porque, por sermos levados muitas vezes a desconfiar de tudo e de todos, acabamos aprendendo lições duras e inesquecíveis com os fatos da vida.

A lição a que me refiro, aconteceu em uma noite em que eu e meu filho Deco estávamos sentados em uma pracinha erma da cidade, na qual eu havia levando meu cachorro Floquinho para passear.

Deixamos o carro estacionado a uma certa distância e fomos sentar em duas cadeiras de praia que havíamos levado. De repente, aproximou-se do veículo um menino pequeno que devia ter uns sete ou oito anos e, sem nos enxergar, ficou espiando para dentro do veículo. A primeira impressão que me veio à cabeça, foi a de que ele estaria querendo furtar alguma coisa que estivesse ao alcance de suas mãos, já que a janela estava semi-aberta.

Não foi o que aconteceu. O menino foi se afastando e, ao nos ver sentados a uma certa distância, perguntou-nos se sabíamos quem era o dono do automóvel. Eu, ainda impregnado daquele meu primeiro sentimento de desconfiança, falei-lhe que não sabia. Queria ver qual era a intenção do menino. Ele se aproximou e disse que era uma pena, pois se soubesse quem era o dono, pediria para lavar o veículo, tudo com o objetivo de ganhar alguns trocados.

Neste momento eu pude perceber que ele carregava uma sacolinha de plástico dentro da qual estava um pacote de um quilo de açúcar. Disse-nos ele que estava precisando de dinheiro pois seu pai estava desempregado. Afirmou-nos ainda que já havia vendido seu videogame, sua bola de futebol e sua “bike”, tudo com a finalidade de comprar as “coisas para dentro de casa”. Que talvez tivesse que vender suas chuteiras, já que estavam passando necessidade.

O relato daquela criança me deixou sem ter o que dizer, completamente envergonhado e culpado de ter desconfiado e mentido para ela. Ao terminar de falar, o menino, que tinha nos olhos um brilho de quem encara os desafios da vida com uma determinação que muitas vezes falta aos adultos, foi embora, desaparecendo na escuridão da pracinha mal iluminada.

É claro que ele sumiu fisicamente de minha visão. Sua imagem caminhando com a sacolinha e desaparecendo no horizonte, permanece até hoje em minha mente e na minha retina, como se fora uma lição que eu precisava aprender para eliminar meus preconceitos e parar de fazer pré-julgamentos.

A partir daquele dia, resolvi adotar em minha vida o princípio da boa-fé em relação às pessoas que se aproximam de mim. Sei que é uma decisão que nada contra a corrente, eis que hoje em dia somos aconselhados a termos uma atitude de prevenção em relação a tudo o que ocorre ao nosso redor. Sei que muitas vezes eu irei perder confiando nos outros, mas tenho certeza que não carregarei mais esta imensa culpa de fazer mau juízo de um menino que tenta realizar a tarefa hercúlea de auxiliar a família. Alem disso, poderei ter contato com pessoas incríveis e interessantes que o preconceito e o medo de arriscar muitas vezes nos impedem de conhecer.

São duas histórias verdadeiras e simples, de dois meninos que já na tenra idade, transportam nos ombros, por suas próprias iniciativas, fardos bastante pesados que a vida lhes colocou sobre as frágeis costas e que eles carregam com uma dignidade e altivez que muitas vezes nos falta no enfrentamento dos problemas que nos afligem no dia-a-dia.

Como eu disse anteriormente, foi uma lição dura, porém inesquecível.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS

terça-feira, 31 de março de 2009

NOVA ESPERANÇA F.C.


Fotografia do Nova Esperança F.C. De pé, da esquerda para a direita, Deco, André, Goleiro Desconhecido e Robson. Agachados, Antídio, Luissandro, Robinho e Marco. Em destaque, o fenomenal técnico Roma.

NOVA ESPERANÇA F.C.

Será que existe alguém que quando menino não sonhou em ser um grande jogador de futebol? Acho que não, dado o fascínio que este esporte nos causa desde a tenra idade. Eu mesmo, quando guri, sonhei em ser o novo Garrincha, jogador que eu achava ser melhor que o Pelé, tudo baseado nas jogadas que eu via naqueles jornais que eram passados antes do filmes que eram apresentados nas matinês de domingo.

Logo nas minhas primeiras incursões nos campos de futebol, percebi que este desejo era muita pretensão para minhas possibilidades futebolísticas. Como os mais velhos que escolhiam os times, sempre me colocavam para jogar na defesa por ser dos mais altos, resolvi então que seria o novo Airton do Grêmio Fut-Balll Porto Alegrense, melhor zagueiro que eu vi jogar até hoje, ao vivo inclusive. Este sonho também não deu muito certo. Ao contrário do meu ídolo, eu era um zagueiro muito rústico e acabei recebendo o apelido de Patrolão, já que eu acabava levando por diante tudo o que se achava no meu caminho. Meu sonho ruiu definitivamente quando me inscrevi para jogar no juvenil do Glória, time da cidade em que morava. Acabei virando titular, não do time, mas do banco de reservas, só entrando umas poucas vezes no final do jogo quando tudo já estava resolvido.

Afinal, decidi que os campos de futebol não me mereciam (ou seria o contrário?) e acabei me dedicando à música, embalado nos sonhos dos Beatles, Rolling Stones, Roberto e Erasmo Carlos.

Mais de trinta anos depois, a história se repetiu com o meu filho Deco e a gurizada da vizinhança. Entre uma pelada de rua e outra, surgiu a idéia que logo teve a adesão entusiasmada de todos: fundar um time na vila. Começaram os projetos, todos davam palpites sobre as cores e a maneira de obterem as camisetas do time. Foram feitas rifas, pedidos aos pais, até que conseguiram o primeiro jogo de uniformes. É claro que, como não poderia deixar de ser, vieram juntos os sonhos de glória. O time iria crescer e talvez, num futuro próximo, poderia vir a jogar em uma das divisões de nosso futebol. Poderia acontecer ainda, a revelação para o mundo de algum grande craque para a nossa seleção.

Bem, voltando à realidade, o próximo passo foi a escolha do treinador. Para tão importante cargo, foi escolhido o nosso vizinho apelidado de Roma, colorado fanático que era um dos que mais discutia futebol nas rodas de conversa da esquina. Até hoje eu não sei qual foi o critério utilizado para a sua escolha; se ele entendia realmente do esporte ou se foi porque possuía um carro grande com o qual ele carregava boa parte do time.

A seguir, veio o primeiro jogo. Treinos intensos na quadra armada na rua, entre duas goleiras feitas com os chinelos dos jogadores, discussões sobre a posição de cada um, táticas secretas, emoção à flor da pele. No dia do jogo, todo mundo uniformizado, ficaram esperando as palavras finais de incentivo do “professor Roma”. Foi um momento único. Uma preleção que entrou para os anais da história do futebol mundial. Quando todos esperavam um longo e emocionado discurso, ele, após uma pausa de alguns segundos, apenas bradou: “Vamos jogar”. Passado um breve momento de estupefação dos jogadores, já que todos esperavam algo mais longo e elaborado, acabaram entrando em campo e partindo para o jogo.

Daí por diante, muitas outras partidas foram realizadas, algumas inclusive, foram filmadas por um vizinho que possuía uma filmadora. De jogo em jogo, o time foi fazendo sua história. Naturalmente, além de meu filho Deco e do Robson, o grande craque do time era o Robinho, menino que desde cedo revelava um talento nato para o futebol.

Infelizmente com o passar do tempo, os jogadores foram sendo levados para outros caminhos e o time acabou se extinguindo. Ficaram no entanto, as lembranças daqueles tempos áureos do futebol da Vila Norte de Santa Maria, RS. Até hoje ainda ecoam nas conversas de boteco, relatos incríveis de alguma das grandes jogadas daquele memorável time. Sim, porque aquela jogada que de início era rústica, com o passar do tempo, a cada descrição verbal, ia adquirindo novos toques de genialidade e magia, passando da condição de fato real para a condição de lenda.

Pois é. Vocês já ouviram falar do Santos de Zito, Pelé e Coutinho, do Grêmio de Airton, Sergio Lopes e Alcindo ou do Inter de Figueroa, Valdomiro e Falcão? Acrescente-se a esses lendários times, o Nova Esperança F.C. de Deco, Robson e Robinho. Ao menos nos campos de nossa imaginação, foi um time que encantou toda uma geração e permanece vivo nos corações e mentes dos que assistiram suas geniais atuações. Afinal, entre a realidade e a lenda, eu prefiro a última. Ela torna muito mais leve a alma e coloca cores e magia aonde antes tudo era frio e sem brilho.

Minha homenagem ao Nova Esperança F.C. e àqueles que sonham e têm coragem de tentar realizar seus sonhos.

Jorge André Irion Jobim

segunda-feira, 30 de março de 2009

SOBRE ANIMAIS E ESPERANÇAS


Fotografia de meu cão e companheiro de todas as horas, o Floquinho.


SOBRE ANIMAIS E ESPERANÇAS

Tenho tanta afinidade com animais que ninguém mais pega carona no meu automóvel com medo de sair cheio de pelos de cachorro. É que o meu cão Floquinho (que como o nome já indica, tem a cor branca) é sempre o primeiro a entrar no carro. Tão logo ele me vê colocar os sapatos ou trocar de calças, já começa a fazer festa, deixando-me com um sentimento de culpa caso tenha que deixá-lo em casa. E isso só acontece raramente.

Sempre digo para meus conhecidos que eu não freqüento a casa de quem não me permite entrar com meu cão do lado. Caso eu saiba que a pessoa não gosta de animais, não me demoro mais do que cinco ou dez minutos, apenas o necessário para que eu resolva com ela o que eu tenho para resolver.

Em mais de noventa por cento dos casos, se eu tiver que escolher entre ficar com as pessoas ou com os bichos, eu escolho os segundos. Outro dia eu descobri que devo estar sofrendo da tal de misantropia, ou seja, a aversão aos seres humanos. Também, após mais de trinta anos de experiência em vida noturna como músico e atualmente como advogado, acabei descobrindo que é bem mais seguro confiar nos bichos. Com eles tudo é mais direto e real. É um gostar ou não gostar, sem subterfúgios, máscaras ou as velhas hipocrisias que hoje convencionaram chamar de politicamente correto.

Fico chocado quando tenho notícias de maus tratos aos animais. Tenho ojeriza de pessoas que chicoteiam os cavalos de que se servem para puxar suas carroças, daqueles que sacrificam animais logo que nascem, que chutam e envenenam os cães vira-latas, que utilizam animais em rodeios, touradas, etc.

Felizmente, nem sempre é assim. No dia 1º de Janeiro de 2.009 durante minha caminhada diária, numa esquina da Rua dos Andradas, tive a oportunidade de assistir uma cena que me tocou profundamente. Uma moça com pouco mais de 20 anos, dando água e comida para um cachorro cambaleante e esquálido que mal conseguia andar. Após esperar que ele comesse algo e bebesse um pouco de água para que recuperasse um pouco as forças e ela pudesse conquistar-lhe a confiança, passou a atrai-lo para um lugar que parecia ser sua casa. Tudo leva a crer que queria dar ao animal um abrigo melhor.

Lembrei-me da cadelinha Léia, nome que lhe foi dado pelas crianças da vizinhança. Ela apareceu nas ruas da Vila Norte, grávida e mancando como se estivesse com um defeito na perna. Como parecia faminta, vários vizinhos revezaram-se dando-lhe alimentação. Até um refúgio na divisa entre duas casas foi construída para ela por algumas meninas que moram na rua. Todos os dias, alguém vinha com ração e água para o animalzinho que logo recuperou as forças, tanto que alguns dias depois, uma família da região acabou adotando-a. Outro dia fiquei sabendo que ela havia dado luz a seis cãezinhos.

Num mundo árido de bons sentimentos, atitudes como essas me fazem ter um pouco de confiança no ano que está começando a engatinhar. Passo a acreditar que nem tudo está perdido; ainda há esperança.

Jorge André Irion Jobim

domingo, 29 de março de 2009

BLACKOUT

Casa onde ocorreu o blackout que me inspirou a escrever o presente artigo. Na frente, meu cão Floquinho.

BLACKOUT

Quando menos se espera, a surpresa: falta a luz. Se for durante o horário nobre da televisão ou na hora do futebol, ouve-se um murmúrio de desilusão e reprovação que vem de toda a vizinhança.

Pois é. Dia destes aconteceu, justamente no horário da famosa novela das oito. Como hoje já é mais raro o denominado blackout, nome sofisticado que se dá à falta de luz, dificilmente estamos prevenidos com várias velas. Assim sendo, tateamos no escuro até encontrarmos um toco de vela abandonado no fundo da gaveta da cozinha há bastante tempo. Foi a única que encontramos no momento.

O filho que estava no computador, teve que abandona-lo e aproximar-se da sala, única peça onde havia luz. A filhas que estavam estudando no quarto também. Logo estávamos todos reunidos ao redor da chama vacilante da única vela que possuíamos. Silêncio total. Havia cessado o som da televisão, do computador, do rádio em que eu escutava o programa de esportes enquanto lia um novo livro e a música alta que vinha dos vizinhos. Até estranhamos, já que apenas ouvíamos o som dos cães e dos gatos da rua.

É engraçado. Parece que não sabemos mais como agir tendo como fundo apenas os sons da natureza. Ficamos perdidos sem os ruídos eletrônicos que nos acompanham a cada passo hoje em dia.

Eu comentei qualquer coisa a respeito do que poderia ter acontecido para que ocorresse aquela falta repentina de luz. Minha mulher queixou-se do fato de que perderia um capítulo importante da novela e o filho lamentou o fato de que havia perdido parte do que já havia escrito no computador.

Tive a idéia de trazer à tona algumas de minhas lembranças de menino. Comecei a contar que na minha infância, como ainda não havia televisão na cidade em que morávamos, logo após o jantar todos se reuniam na sala e ali os mais velhos contavam antigas histórias da carochinha para as crianças e alguns “causos” como se costumava dizer. Não sei se eram verídicos ou não, porém tinham como ponto comum as pinceladas inevitáveis da criatividade de quem contava.

Pediram-me que eu reproduzisse algumas dessas histórias, coisa que eu fiz com muito prazer já que todos pareciam estar atentos a cada detalhe. Era como se de repente, na falta de imagens reais ou virtuais, tivessem resgatado a imaginação.

Contei ainda que uma das brincadeiras que fazíamos naqueles tempos distantes, era aquela em que cada um cantava e interpretava uma melodia que achasse bonita. Logo o violão estava nas minhas mãos e relembramos juntos várias velhas canções que pareciam estar perdidas no fundo de nossas mentes. Desfiamos músicas como As Rosas não Falam, Carinhoso, Ronda, Negue, Felicidade, Gauchinha bem Querer, Naquela Mesa e outras tantas. Ficávamos emocionados ao escutar cada uma dessas canções, como se tivéssemos redescoberto o fato de que a música ainda pode ter letras e melodias lindas que podem ser tocadas apenas com um violão e nossas vozes, completamente ao contrário do que escutamos hoje nos potentes aparelhos de sons que a tecnologia nos põe à disposição. Neles, encontramos muitos decibéis mas pouca criatividade e beleza melódica.

Atraído pelo som do violão, um vizinho aproximou-se trazendo um velho lampião aceso e com a esposa entrou na roda de conversa, passando a contar e relembrando algumas antigas histórias e letras de música, coisa que fazia com muito talento, já que, segundo ele, também havia vivido aquela época em que, por não terem a pluralidade de opções tecnológicas que dispõem hoje, as pessoas se relacionavam com muito maior intensidade.

Assim, embevecidos com tantos “causos” e canções, não nos demos conta de que já haviam se passado quase quatro horas. Lá pela meia-noite voltou a luz com toda a sua majestade e resplendor. Chegamos a ouvir uma exclamação de alegria vinda novamente de toda a Vila Norte.

Com a chegada da luz, apagamos o lampião e logo as coisas retornaram ao seu lugar. Os vizinhos se foram, o filho voltou ao computador, as filhas voltaram às suas lições, a mãe foi assistir o programa de entrevistas e eu voltei para o meu livro, cada qual isolado no seu canto. Desfez-se a roda de conversa, o violão voltou para sua capa empoeirada e calaram-se as cantigas. Recomeçamos a escutar os sons eletrônicos abafando os ruídos dos animais.

Engraçado, naquele dia eu não consegui mais me concentrar na leitura que eu havia me predisposto a terminar naquela noite. Estranhamente me peguei a pensar em quando será que aconteceria um novo blackout? Era como se eu, secretamente desejasse que isso voltasse a acontecer o mais breve possível.


Jorge André Irion Jobim

O ÚLTIMO MOLEQUE

Os meninos de hoje vivem desde a tenra idade na era virtual. A vida parece que se resume ao mundo fascinante do computador, onde praticamente navegam o tempo inteiro, comunicando-se com os amigos e tendo acesso a lugares que nós, em nossa infância, jamais conseguimos adentrar a não ser em nossa imaginação.

Por fatos assim é que comecei a observar atentamente um menino que mora perto de minha casa. Eu o via sempre brincando na rua com brinquedos típicos de minha infância, coisas desconhecidas ou não curtidas pelos outros meninos. Ele brincava de pião, bolita, cata-vento, pandorga, carrinho de lomba, etc., quase tudo de fabricação própria.

Às vezes a gurizada brincava na rua com suas bicicletas de última geração. Como o menino a que me refiro era pobre e não tinha condições de comprar uma, acabou juntando várias carcaças de bicicletas velhas e construindo uma para si próprio. Ficou bastante estranho, já que a roda traseira era enorme enquanto que a dianteira era bastante pequena. De qualquer forma isso não tirava sua alegria de acompanhar as outras crianças.

Houve uma época em que quase todos os pais da rua deram a seus filhos de presente, umas patinetes da moda. Ora, o menino que por ser engraçado, foi apelidado pelos outros de Tiririca, não ficou para trás. Descolou uma patinete bastante velha e passou a acompanhar os outros nas brincadeiras. Bem, nós sabemos que as crianças às vezes sabem ser cruéis. Elas não perdoaram o fato de que a patinete de Tiririca era velha e passaram a fazer gozação. Ele não perdia a linha e dizia aos outros que aquela patinete sim é que “era das boas pois era das antigas”. Para ele as coisas novas não prestavam, afirmação com a qual eu também concordava. Pelo sim, pelo não, ele com sua criatividade conseguiu afinal ter uma patinete que nenhum dos outros meninos da rua tinha. Um dia ele apareceu com uma novidade. Adaptou ao seu brinquedo uma cadeirinha de praia e andava no brinquedo sentado nela. Foi uma sensação no meio da piazada.

Lembro-me de sua primeira tentativa de fazer uma pandorga. Era um papel com um rabo de pano, puxado por um barbante bastante curto. Totalmente sem aerodinâmica, impossível de ser levantada. De qualquer forma, era uma festa para mim ver sua alegria de passar o dia inteiro correndo de um lado para o outro da rua tentando ergue-la sem conseguir.

Como ele fazia muito alarido na rua, às vezes o dono da venda da esquina xingava-o e pedia para ele fazer silêncio. Aí ele praticava a sua pequena vingança. Ficava espiando de longe e, tão logo o comerciante ia até o fundo do estabelecimento, ele corria até o quadro onde eram anunciadas as promoções, todas escritas com giz, e com sua blusa apagava tudo, pondo-se a correr para casa.

Atualmente tenho visto pouco o menino e quando o vejo noto que ele está mais silencioso. Acho que infelizmente, estamos perdendo aquele que eu carinhosamente apelidei de “o último moleque”. Afinal, o menino está crescendo.


Jorge André Irion Jobim