Em
texto desta sexta-feira (19/4), o jornalista Luís Nassif analisa os movimentos
dos procuradores da "lava jato" para tentar manter seus poderes sobre
o sistema político e sobre a jurisdição penal do país.
Leia o texto, publicado no
site GGN:
Peça 1 – Toffoli não está
isolado no Supremo.
Não
há a menor dúvida de que o vazamento do tal telegrama que mencionava “o amigo
do amigo de meu pai” teve a intenção de constranger o presidente do Supremo
Tribunal Federal, Dias Toffoli, nas vésperas da votação da prisão após
julgamento em 2ª instância. Foi uma tacada política. E há pouquíssimas dúvidas
sobre as origens desse vazamento, nos porões da Lava Jato.
Por
isso mesmo, no STF houve manifestações contra a censura e a forma atabalhoada
como o ministro Alexandre de Moraes conduziu os primeiros movimentos o
inquérito 4781 – que apura ataques a membros do STF. Mas as ações contra os
abusos da Lava Jato têm apoio interno.
No
Supremo, há convicção da maioria sobre o excesso de poder conferido ao
Ministério Público, fora do controle do Judiciário.
Peça 2 – Há intenção de
enquadrar o MPF
Considera-se
que, nos últimos anos, o Ministério Público ganhou poderes excessivos, que o
colocaram fora do controle jurisdicional. São eles:
os TACs (Termos de Ajustamento de Conduta)
que permitiu ao MP mandar em todas as prefeituras sem passar pelo Judiciário.
Os PICs (Procedimentos de Investigação
Criminal) que permite ao MP fazer investigações sem a supervisão de um juiz,
como ocorre nos inquéritos policiais, em que toda investigação está vinculada a
um magistrado.
A delação premiada, que permite toda sorte
de jogadas, da indução ao conteúdo das delações, o direcionamento para
advogados amigos e até os esquemas de chantagem contra empresas. O caso ganhou
contornos mais graves com a denúncia de empresas financiando a delação de seus
executivos.
Pela Lei da Ação Pública, o controle do MPF
sobre fundos constituídos pelas multas e ressarcimentos de réus condenados.
e, agora, o plea bargaining, instituto que
permitirá ao representante do Ministério Público negociar diretamente com o
acusado e deixar de acusá-lo formalmente, se considerar que as informações
apresentadas foram satisfatórias.
Volto
ao tema no final do texto. Há instrumentos que são essenciais para o bom
funcionamento do MPF e não podem ser destruídos em função do mau uso pela banda
podre da corporação.
Peça 3 – os receios da quebra
de hierarquia
No
Xadrez das Contradições do Pós Impeachment, coloquei que um dos pontos
principais de discussão era a questão da quebra da hierarquia.
“Base
x cúpula"
É
a principal contradição que emerge do golpe. A desconstrução da Constituição,
perpetrada pelo STF, não afetou apenas o sistema partidário. Passou a estimular
uma rebelião do baixo clero em relação aos controles hierárquicos de cada
instituição.
É
oi que tem levado a uma reação, ainda tímida, do STF, do Conselho Nacional de
Justiça e da PGR. E tem despertado preocupações no Alto Comando das Forças
Armadas”.
Uma
das mensagens de apoio que o STF recebeu foi do General de Divisão André Luis
Novaes Miranda, do Comando Militar do Sudeste, preocupado com a quebra de
hierarquia na Justiça. Afinal, com 15 generais 4 estrelas, como segurar 300 mil
soldados se a quebra de hierarquia se alastrar?
Peça 4 – Está se chegando
perto do vazador
O
ministro Alexandre Moraes convocou não apenas delegados de confiança da Polícia
Federal, como também está trabalhando com a Polícia Civil de São Paulo. As
investigações estão perto de chegar ao vazador.
Algumas
das pessoas investigadas, com poucos seguidores nas redes sociais, atuavam como
pontos de disseminação dos fakenews. Eles publicavam as primeiras notícias e um
conjunto de seguidores, robôs ou não, disseminavam o conteúdo para milhares de
perfis.
À
medida que as investigações avançam, instaura-se a cizânia na Lava Lato. Ontem
mesmo, o procurador Deltan Dallagnol se defendeu, alegando que os procuradores
tiveram acesso aos autos depois do vazamento ter sido publicado. Jogou a
suspeita na Polícia Federal. Nas redes sociais, os ataques ao STF caíram quase
80%.
Ao
mesmo tempo, informações que chegaram ao Supremo indicam que houve troca
frenética de telefonemas entre os procuradores, às 5:30 da manhã, para saber se
havia movimentação de polícia na frente da sua casa. Como se sabe, invasões de
domicílio podem ser feitas a partir das 6 da manhã. Para sua sorte, nenhum foi
detido na banheira, como Marat na Revolução Francesa.
No
episódio do vazamento das conversas entre Lula e Dilma, quando o Ministro Teori
Zavascki exigiu explicações, delegados da PF informaram ter consultado o PGR
Rodrigo Janot, que estava em viagem. E não foram desmentidos. O clima da época
impediu que Janot fosse devidamente enquadrado.
No
limite, os que atuaram na ponta acabarão por jogar a responsabilidade nas
costas do ex-juiz Sérgio Moro.
Peça 5 – o Inquérito 4781
Nos
próximos dias, haverá um aumento da disputa em torno do Inquérito 4781. Hoje, O
Globo abriu editorial a favor do trancamento do inquérito. Há tempos, as
Organizações Globo tornaram-se reféns dos punitivistas do MPF, em função do
envolvimento com a corrupção da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Como
se recorda, o MPF abafou o inquérito que corria no Rio de Janeiro.
E
tornou a abafar quando o Ministério Público espanhol enviou provas da compra da
Copa Brasil pela Globo, sem a participação de “laranjas”. É uma espada de
Dâmocles permanente no pescoço do grupo.
Por
outro lado, as ações do STF embutem o risco de se trocar o autoritarismo
miliciano do baixo clero por um sistema autoritário centralizado, o
autoritarismo das milícias pelo autoritarismo da cúpula.
Peça 6 – a preservação do MPF
Todos
esses pontos exigirão um posicionamento claro das instituições. O MPF colhe,
agora, a irresponsabilidade do pior Procurador Geral da história, Rodrigo
Janot, permitindo os abusos iniciais da Lava Jato e, depois, aderindo de forma
oportunista às ondas formadas.
Os
novos poderes do MPF provocaram o surgimento dos pequenos ditadores na ponta.
Mas foram e são, também, ferramentas relevantes de defesa dos direitos nas mãos
de procuradores responsáveis.
Tem-se
agora uma PGR com pouco jogo de cintura político, mas séria e responsável em
relação ao MPF e ao país. E um trabalho exemplar, por todo o país, de
procuradores que não se deixaram contaminar pelo deslumbramento e falta de
limites da Lava Jato e que têm nos TACs e outras ferramentas instrumentos
relevantes de defesa dos direitos dos índios, dos negros, do meio ambiente.
Não
se pode comprometer a autonomia do MPF – um dos princípios centrais da
democracia brasileira – por conta de meia dúzia de tresloucados e por
lideranças claudicantes. O pior que poderia acontecer seria substituir o MPF
abusivo de hoje seja substituído pelo MPF adesista de outros tempos.
Vai
se entrar em uma nova etapa da vida política do país. E ainda não se sabe se avançando
mais ainda rumo ao estado de exceção, ou em relação aos valores civilizatórios.
Revista Consultor
Jurídico