terça-feira, 31 de março de 2009

NOVA ESPERANÇA F.C.


Fotografia do Nova Esperança F.C. De pé, da esquerda para a direita, Deco, André, Goleiro Desconhecido e Robson. Agachados, Antídio, Luissandro, Robinho e Marco. Em destaque, o fenomenal técnico Roma.

NOVA ESPERANÇA F.C.

Será que existe alguém que quando menino não sonhou em ser um grande jogador de futebol? Acho que não, dado o fascínio que este esporte nos causa desde a tenra idade. Eu mesmo, quando guri, sonhei em ser o novo Garrincha, jogador que eu achava ser melhor que o Pelé, tudo baseado nas jogadas que eu via naqueles jornais que eram passados antes do filmes que eram apresentados nas matinês de domingo.

Logo nas minhas primeiras incursões nos campos de futebol, percebi que este desejo era muita pretensão para minhas possibilidades futebolísticas. Como os mais velhos que escolhiam os times, sempre me colocavam para jogar na defesa por ser dos mais altos, resolvi então que seria o novo Airton do Grêmio Fut-Balll Porto Alegrense, melhor zagueiro que eu vi jogar até hoje, ao vivo inclusive. Este sonho também não deu muito certo. Ao contrário do meu ídolo, eu era um zagueiro muito rústico e acabei recebendo o apelido de Patrolão, já que eu acabava levando por diante tudo o que se achava no meu caminho. Meu sonho ruiu definitivamente quando me inscrevi para jogar no juvenil do Glória, time da cidade em que morava. Acabei virando titular, não do time, mas do banco de reservas, só entrando umas poucas vezes no final do jogo quando tudo já estava resolvido.

Afinal, decidi que os campos de futebol não me mereciam (ou seria o contrário?) e acabei me dedicando à música, embalado nos sonhos dos Beatles, Rolling Stones, Roberto e Erasmo Carlos.

Mais de trinta anos depois, a história se repetiu com o meu filho Deco e a gurizada da vizinhança. Entre uma pelada de rua e outra, surgiu a idéia que logo teve a adesão entusiasmada de todos: fundar um time na vila. Começaram os projetos, todos davam palpites sobre as cores e a maneira de obterem as camisetas do time. Foram feitas rifas, pedidos aos pais, até que conseguiram o primeiro jogo de uniformes. É claro que, como não poderia deixar de ser, vieram juntos os sonhos de glória. O time iria crescer e talvez, num futuro próximo, poderia vir a jogar em uma das divisões de nosso futebol. Poderia acontecer ainda, a revelação para o mundo de algum grande craque para a nossa seleção.

Bem, voltando à realidade, o próximo passo foi a escolha do treinador. Para tão importante cargo, foi escolhido o nosso vizinho apelidado de Roma, colorado fanático que era um dos que mais discutia futebol nas rodas de conversa da esquina. Até hoje eu não sei qual foi o critério utilizado para a sua escolha; se ele entendia realmente do esporte ou se foi porque possuía um carro grande com o qual ele carregava boa parte do time.

A seguir, veio o primeiro jogo. Treinos intensos na quadra armada na rua, entre duas goleiras feitas com os chinelos dos jogadores, discussões sobre a posição de cada um, táticas secretas, emoção à flor da pele. No dia do jogo, todo mundo uniformizado, ficaram esperando as palavras finais de incentivo do “professor Roma”. Foi um momento único. Uma preleção que entrou para os anais da história do futebol mundial. Quando todos esperavam um longo e emocionado discurso, ele, após uma pausa de alguns segundos, apenas bradou: “Vamos jogar”. Passado um breve momento de estupefação dos jogadores, já que todos esperavam algo mais longo e elaborado, acabaram entrando em campo e partindo para o jogo.

Daí por diante, muitas outras partidas foram realizadas, algumas inclusive, foram filmadas por um vizinho que possuía uma filmadora. De jogo em jogo, o time foi fazendo sua história. Naturalmente, além de meu filho Deco e do Robson, o grande craque do time era o Robinho, menino que desde cedo revelava um talento nato para o futebol.

Infelizmente com o passar do tempo, os jogadores foram sendo levados para outros caminhos e o time acabou se extinguindo. Ficaram no entanto, as lembranças daqueles tempos áureos do futebol da Vila Norte de Santa Maria, RS. Até hoje ainda ecoam nas conversas de boteco, relatos incríveis de alguma das grandes jogadas daquele memorável time. Sim, porque aquela jogada que de início era rústica, com o passar do tempo, a cada descrição verbal, ia adquirindo novos toques de genialidade e magia, passando da condição de fato real para a condição de lenda.

Pois é. Vocês já ouviram falar do Santos de Zito, Pelé e Coutinho, do Grêmio de Airton, Sergio Lopes e Alcindo ou do Inter de Figueroa, Valdomiro e Falcão? Acrescente-se a esses lendários times, o Nova Esperança F.C. de Deco, Robson e Robinho. Ao menos nos campos de nossa imaginação, foi um time que encantou toda uma geração e permanece vivo nos corações e mentes dos que assistiram suas geniais atuações. Afinal, entre a realidade e a lenda, eu prefiro a última. Ela torna muito mais leve a alma e coloca cores e magia aonde antes tudo era frio e sem brilho.

Minha homenagem ao Nova Esperança F.C. e àqueles que sonham e têm coragem de tentar realizar seus sonhos.

Jorge André Irion Jobim

segunda-feira, 30 de março de 2009

SOBRE ANIMAIS E ESPERANÇAS


Fotografia de meu cão e companheiro de todas as horas, o Floquinho.


SOBRE ANIMAIS E ESPERANÇAS

Tenho tanta afinidade com animais que ninguém mais pega carona no meu automóvel com medo de sair cheio de pelos de cachorro. É que o meu cão Floquinho (que como o nome já indica, tem a cor branca) é sempre o primeiro a entrar no carro. Tão logo ele me vê colocar os sapatos ou trocar de calças, já começa a fazer festa, deixando-me com um sentimento de culpa caso tenha que deixá-lo em casa. E isso só acontece raramente.

Sempre digo para meus conhecidos que eu não freqüento a casa de quem não me permite entrar com meu cão do lado. Caso eu saiba que a pessoa não gosta de animais, não me demoro mais do que cinco ou dez minutos, apenas o necessário para que eu resolva com ela o que eu tenho para resolver.

Em mais de noventa por cento dos casos, se eu tiver que escolher entre ficar com as pessoas ou com os bichos, eu escolho os segundos. Outro dia eu descobri que devo estar sofrendo da tal de misantropia, ou seja, a aversão aos seres humanos. Também, após mais de trinta anos de experiência em vida noturna como músico e atualmente como advogado, acabei descobrindo que é bem mais seguro confiar nos bichos. Com eles tudo é mais direto e real. É um gostar ou não gostar, sem subterfúgios, máscaras ou as velhas hipocrisias que hoje convencionaram chamar de politicamente correto.

Fico chocado quando tenho notícias de maus tratos aos animais. Tenho ojeriza de pessoas que chicoteiam os cavalos de que se servem para puxar suas carroças, daqueles que sacrificam animais logo que nascem, que chutam e envenenam os cães vira-latas, que utilizam animais em rodeios, touradas, etc.

Felizmente, nem sempre é assim. No dia 1º de Janeiro de 2.009 durante minha caminhada diária, numa esquina da Rua dos Andradas, tive a oportunidade de assistir uma cena que me tocou profundamente. Uma moça com pouco mais de 20 anos, dando água e comida para um cachorro cambaleante e esquálido que mal conseguia andar. Após esperar que ele comesse algo e bebesse um pouco de água para que recuperasse um pouco as forças e ela pudesse conquistar-lhe a confiança, passou a atrai-lo para um lugar que parecia ser sua casa. Tudo leva a crer que queria dar ao animal um abrigo melhor.

Lembrei-me da cadelinha Léia, nome que lhe foi dado pelas crianças da vizinhança. Ela apareceu nas ruas da Vila Norte, grávida e mancando como se estivesse com um defeito na perna. Como parecia faminta, vários vizinhos revezaram-se dando-lhe alimentação. Até um refúgio na divisa entre duas casas foi construída para ela por algumas meninas que moram na rua. Todos os dias, alguém vinha com ração e água para o animalzinho que logo recuperou as forças, tanto que alguns dias depois, uma família da região acabou adotando-a. Outro dia fiquei sabendo que ela havia dado luz a seis cãezinhos.

Num mundo árido de bons sentimentos, atitudes como essas me fazem ter um pouco de confiança no ano que está começando a engatinhar. Passo a acreditar que nem tudo está perdido; ainda há esperança.

Jorge André Irion Jobim

domingo, 29 de março de 2009

BLACKOUT

Casa onde ocorreu o blackout que me inspirou a escrever o presente artigo. Na frente, meu cão Floquinho.

BLACKOUT

Quando menos se espera, a surpresa: falta a luz. Se for durante o horário nobre da televisão ou na hora do futebol, ouve-se um murmúrio de desilusão e reprovação que vem de toda a vizinhança.

Pois é. Dia destes aconteceu, justamente no horário da famosa novela das oito. Como hoje já é mais raro o denominado blackout, nome sofisticado que se dá à falta de luz, dificilmente estamos prevenidos com várias velas. Assim sendo, tateamos no escuro até encontrarmos um toco de vela abandonado no fundo da gaveta da cozinha há bastante tempo. Foi a única que encontramos no momento.

O filho que estava no computador, teve que abandona-lo e aproximar-se da sala, única peça onde havia luz. A filhas que estavam estudando no quarto também. Logo estávamos todos reunidos ao redor da chama vacilante da única vela que possuíamos. Silêncio total. Havia cessado o som da televisão, do computador, do rádio em que eu escutava o programa de esportes enquanto lia um novo livro e a música alta que vinha dos vizinhos. Até estranhamos, já que apenas ouvíamos o som dos cães e dos gatos da rua.

É engraçado. Parece que não sabemos mais como agir tendo como fundo apenas os sons da natureza. Ficamos perdidos sem os ruídos eletrônicos que nos acompanham a cada passo hoje em dia.

Eu comentei qualquer coisa a respeito do que poderia ter acontecido para que ocorresse aquela falta repentina de luz. Minha mulher queixou-se do fato de que perderia um capítulo importante da novela e o filho lamentou o fato de que havia perdido parte do que já havia escrito no computador.

Tive a idéia de trazer à tona algumas de minhas lembranças de menino. Comecei a contar que na minha infância, como ainda não havia televisão na cidade em que morávamos, logo após o jantar todos se reuniam na sala e ali os mais velhos contavam antigas histórias da carochinha para as crianças e alguns “causos” como se costumava dizer. Não sei se eram verídicos ou não, porém tinham como ponto comum as pinceladas inevitáveis da criatividade de quem contava.

Pediram-me que eu reproduzisse algumas dessas histórias, coisa que eu fiz com muito prazer já que todos pareciam estar atentos a cada detalhe. Era como se de repente, na falta de imagens reais ou virtuais, tivessem resgatado a imaginação.

Contei ainda que uma das brincadeiras que fazíamos naqueles tempos distantes, era aquela em que cada um cantava e interpretava uma melodia que achasse bonita. Logo o violão estava nas minhas mãos e relembramos juntos várias velhas canções que pareciam estar perdidas no fundo de nossas mentes. Desfiamos músicas como As Rosas não Falam, Carinhoso, Ronda, Negue, Felicidade, Gauchinha bem Querer, Naquela Mesa e outras tantas. Ficávamos emocionados ao escutar cada uma dessas canções, como se tivéssemos redescoberto o fato de que a música ainda pode ter letras e melodias lindas que podem ser tocadas apenas com um violão e nossas vozes, completamente ao contrário do que escutamos hoje nos potentes aparelhos de sons que a tecnologia nos põe à disposição. Neles, encontramos muitos decibéis mas pouca criatividade e beleza melódica.

Atraído pelo som do violão, um vizinho aproximou-se trazendo um velho lampião aceso e com a esposa entrou na roda de conversa, passando a contar e relembrando algumas antigas histórias e letras de música, coisa que fazia com muito talento, já que, segundo ele, também havia vivido aquela época em que, por não terem a pluralidade de opções tecnológicas que dispõem hoje, as pessoas se relacionavam com muito maior intensidade.

Assim, embevecidos com tantos “causos” e canções, não nos demos conta de que já haviam se passado quase quatro horas. Lá pela meia-noite voltou a luz com toda a sua majestade e resplendor. Chegamos a ouvir uma exclamação de alegria vinda novamente de toda a Vila Norte.

Com a chegada da luz, apagamos o lampião e logo as coisas retornaram ao seu lugar. Os vizinhos se foram, o filho voltou ao computador, as filhas voltaram às suas lições, a mãe foi assistir o programa de entrevistas e eu voltei para o meu livro, cada qual isolado no seu canto. Desfez-se a roda de conversa, o violão voltou para sua capa empoeirada e calaram-se as cantigas. Recomeçamos a escutar os sons eletrônicos abafando os ruídos dos animais.

Engraçado, naquele dia eu não consegui mais me concentrar na leitura que eu havia me predisposto a terminar naquela noite. Estranhamente me peguei a pensar em quando será que aconteceria um novo blackout? Era como se eu, secretamente desejasse que isso voltasse a acontecer o mais breve possível.


Jorge André Irion Jobim

O ÚLTIMO MOLEQUE

Os meninos de hoje vivem desde a tenra idade na era virtual. A vida parece que se resume ao mundo fascinante do computador, onde praticamente navegam o tempo inteiro, comunicando-se com os amigos e tendo acesso a lugares que nós, em nossa infância, jamais conseguimos adentrar a não ser em nossa imaginação.

Por fatos assim é que comecei a observar atentamente um menino que mora perto de minha casa. Eu o via sempre brincando na rua com brinquedos típicos de minha infância, coisas desconhecidas ou não curtidas pelos outros meninos. Ele brincava de pião, bolita, cata-vento, pandorga, carrinho de lomba, etc., quase tudo de fabricação própria.

Às vezes a gurizada brincava na rua com suas bicicletas de última geração. Como o menino a que me refiro era pobre e não tinha condições de comprar uma, acabou juntando várias carcaças de bicicletas velhas e construindo uma para si próprio. Ficou bastante estranho, já que a roda traseira era enorme enquanto que a dianteira era bastante pequena. De qualquer forma isso não tirava sua alegria de acompanhar as outras crianças.

Houve uma época em que quase todos os pais da rua deram a seus filhos de presente, umas patinetes da moda. Ora, o menino que por ser engraçado, foi apelidado pelos outros de Tiririca, não ficou para trás. Descolou uma patinete bastante velha e passou a acompanhar os outros nas brincadeiras. Bem, nós sabemos que as crianças às vezes sabem ser cruéis. Elas não perdoaram o fato de que a patinete de Tiririca era velha e passaram a fazer gozação. Ele não perdia a linha e dizia aos outros que aquela patinete sim é que “era das boas pois era das antigas”. Para ele as coisas novas não prestavam, afirmação com a qual eu também concordava. Pelo sim, pelo não, ele com sua criatividade conseguiu afinal ter uma patinete que nenhum dos outros meninos da rua tinha. Um dia ele apareceu com uma novidade. Adaptou ao seu brinquedo uma cadeirinha de praia e andava no brinquedo sentado nela. Foi uma sensação no meio da piazada.

Lembro-me de sua primeira tentativa de fazer uma pandorga. Era um papel com um rabo de pano, puxado por um barbante bastante curto. Totalmente sem aerodinâmica, impossível de ser levantada. De qualquer forma, era uma festa para mim ver sua alegria de passar o dia inteiro correndo de um lado para o outro da rua tentando ergue-la sem conseguir.

Como ele fazia muito alarido na rua, às vezes o dono da venda da esquina xingava-o e pedia para ele fazer silêncio. Aí ele praticava a sua pequena vingança. Ficava espiando de longe e, tão logo o comerciante ia até o fundo do estabelecimento, ele corria até o quadro onde eram anunciadas as promoções, todas escritas com giz, e com sua blusa apagava tudo, pondo-se a correr para casa.

Atualmente tenho visto pouco o menino e quando o vejo noto que ele está mais silencioso. Acho que infelizmente, estamos perdendo aquele que eu carinhosamente apelidei de “o último moleque”. Afinal, o menino está crescendo.


Jorge André Irion Jobim