domingo, 15 de janeiro de 2012

NAS ASAS DA IMAGINAÇÃO



Na minha tenra infância eu tive uma amiga secreta. Era uma pequena ave com a qual eu conversava e que dizia chamar-se Imaginação. Todos os dias ao entardecer, nós nos encontrávamos perto de algumas árvores que existiam ao lado de minha casa naquela pequena cidade do interior em que eu morava e ela me deixava montá-la, partindo comigo em longas revoadas pelo céu aberto. E lá ia eu feliz cruzando os ares e olhando tudo sob aquele novo ângulo que me permitia a minha amiga Imaginação. Viagens incríveis durante as quais íamos conversando e trocando nossas impressões a respeito de tudo o que víamos.

Nossa amizade parecia indestrutível. Até o dia em que eu falei sobre minhas aventuras para uma menina mais velha que morava nas redondezas e ela, rindo de mim, afirmou que eu estava sonhando, afinal, aves não falam. E depois, como poderia um pássaro tão pequeno carregar um menino tão grande? Minha história não tinha pé e nem cabeça, contrariava todas as leis da ciência e da lógica, disse-me ela zombando de minhas afirmativas.
O que eu não sabia, é que naquele momento Imaginação vinha chegando para me encontrar e escutou tudo o que a menina havia dito. Aquelas palavras foram como uma pedrada atirada por um bodoque chamado realidade. Elas atingiram em cheio minha amiga Imaginação, quebrando-lhe uma das asas e derrubando-a ao chão. Tentei ajudá-la, mas, assustada, ela correu e embrenhou-se no meio das árvores desaparecendo de minha vista. Todos os dias eu voltava ao local de nossos encontros, porém ela nunca mais retornou, até o dia em que tivemos que mudar de cidade em função do trabalho de meu pai.

Muitos anos se passaram e por muitos lugares eu passei. Em cada um deles eu lançava meu olhar em todas as direções na esperança de reencontrar a minha velha amiga de infância. Isso nunca mais aconteceu. Eu até encontrei uma outra ave que, de tão bonita que era, eu apelidei de Utopia e da qual eu tentei me aproximar e conversar. Foi inútil. Ela não me respondeu e fugiu para longe como fazem todas elas diante da proximidade dos indesejáveis seres humanos.

De qualquer maneira, eu não perdi a esperança e como se fora uma obsessão, eu até hoje ainda sonho com o dia em que voltarei a encontrá-la. E quando isso ocorrer, mais uma vez como naqueles velhos tempos, ainda que em um derradeiro vôo, eu viajarei em direção ao infinito nas asas da minha velha amiga Imaginação exatamente como eu costumava fazer no alvorecer de minha vida.

Jorge André Irion Jobim

Publicado no Diário de Santa Maria, RS, no dia 10 de Janeiro de 2.012