Uma das mais recentes inovações da jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça em direito ambiental, o princípio in dubio pro
natura tem sido usado como fundamento na solução de conflitos e na
interpretação das leis que regem a matéria no Brasil. Em alguns casos, o
enfoque dado pelo tribunal é na precaução; em outros, o preceito é aplicado
como ferramenta de facilitação do acesso à Justiça, ou ainda como técnica de
proteção do vulnerável na produção de provas.
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ se fundou na
orientação da inversão do ônus da prova em casos de dano ambiental – ou seja,
compete ao empreendedor da atividade potencialmente perigosa demonstrar que as
suas ações não representam riscos ao meio ambiente.
Ao negar provimento ao REsp 883.656 – em que uma empresa
condenada por contaminação de mercúrio questionava a inversão do ônus
probatório determinada pelas instâncias ordinárias –, o ministro Herman
Benjamin, relator, explicou que a natureza indisponível do bem jurídico
protegido (meio ambiente) impõe uma atuação mais incisiva e proativa do juiz,
“para salvaguardar os interesses dos incontáveis sujeitos-ausentes, por vezes
toda a humanidade e as gerações futuras”.
“Por derradeiro, a incidência do princípio da precaução,
ele próprio transmissor por excelência de inversão probatória, base do
princípio in dubio pro natura, induz igual resultado na dinâmica da prova”,
disse o ministro em seu voto.
Dano moral ambiental
Também amparada pelo princípio in dubio pro natura, em
2013, a Segunda Turma do STJ estabeleceu que é possível condenar o responsável
pela degradação ambiental ao pagamento de indenização relativa ao dano
extrapatrimonial ou dano moral coletivo. No julgamento do REsp 1.367.923, o
colegiado confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que
condenou três empresas em R$ 500 mil por dano moral ambiental em razão do
armazenamento inadequado de produtos danificados confeccionados em amianto.
Ao STJ, as empresas alegaram que, em matéria de
responsabilidade objetiva, tal qual a ambiental, a presença do dano é condição
indispensável para gerar o dever de indenizar. Para elas, os danos morais
coletivos e difusos devem estar fundados não só no sentido moral individual,
mas nos efetivos prejuízos à coletividade, desde que demonstrados.
O relator do recurso especial, ministro Humberto Martins,
lembrou que o colegiado já se pronunciou no sentido de que, ainda que de forma
reflexa, a degradação do meio ambiente dá ensejo ao dano moral coletivo. Para
ele, mesmo que a jurisprudência não contemple a análise específica do ponto em
debate, “infere-se que é possível a condenação à indenização por dano
extrapatrimonial ou dano moral coletivo, decorrente de lesão ambiental”.
Cumulação
A possibilidade de acumular a condenação de recomposição
do meio ambiente degradado com a indenização pecuniária também já foi objeto de
diversos recursos no STJ, nos quais a solução se baseou no princípio in dubio
pro natura – como no REsp 1.198.727.
O recurso teve origem em ação civil pública ajuizada pelo
Ministério Público de Minas Gerais para obter a responsabilização por danos
ambientais causados pelo desmatamento de vegetação nativa (cerrado). O juiz de
primeiro grau e o Tribunal de Justiça consideraram provado o dano ambiental e
condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido
indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual.
O relator do recurso, Herman Benjamin, explicou que “os
deveres de indenização e recuperação ambientais não são ‘pena’, mas
providências ressarcitórias de natureza civil que buscam, simultânea e
complementarmente, a restauração do status quo ante da biota afetada
(restabelecimento à condição original) e a reversão à coletividade dos benefícios
econômicos auferidos com a utilização ilegal e individual de bem
supraindividual salvaguardado que, nos termos do artigo 225 da Constituição, é
de uso comum do povo”.
De acordo com o ministro, ao juiz, diante das normas de
direito ambiental, “recheadas que são de conteúdo ético intergeracional
atrelado às presentes e futuras gerações”, incumbe lembrar o comando do artigo
5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que dispõe que, ao
aplicar a lei, deve-se atender “aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum”.
“Corolário dessa regra é a constatação de que, em caso de
dúvida ou outra anomalia técnico-redacional, a norma ambiental demanda
interpretação e integração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro
natura”, ressaltou.
Registro legal
Em 2015, ao dar provimento ao REsp 1.356.207, do estado de
São Paulo, a Terceira Turma condicionou o registro da sentença de usucapião ao
prévio registro da reserva legal no Cadastro Ambiental Rural (CAR), integrando
a interpretação da lei ao princípio in dubio pro natura.
O relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
explicou que, por uma construção jurisprudencial, firmou-se o entendimento no
STJ de que a averbação de reserva legal seria condição para o registro de
qualquer ato de transmissão, desmembramento ou retificação de área de imóvel
rural.
No entanto, a dúvida gerada nas instâncias ordinárias
referiu-se ao caso de aquisição originária por usucapião de imóvel sem
matrícula. Nas suas razões de decidir, o ministro destacou o parecer do
Ministério Público Federal (MPF), o qual opinou pela necessidade da averbação,
uma vez que a reserva legal “ostenta natureza propter rem, ou seja, é inerente
ao direito de propriedade ou posse de bem imóvel rural”.
Para o relator, a interpretação dada pelo MPF ao Código
Florestal vigente à época dos fatos (Lei 4.771/1965) “está em sintonia com o
princípio hermenêutico in dubio pro natura, que deve reger a interpretação
ambiental para priorizar o sentido da lei que melhor atenda à proteção do meio
ambiente”.
Segundo Sanseverino, esse princípio constitui uma exceção
à regra hermenêutica de que as normas limitadoras de direitos – como são as
ambientais – devam ter interpretação estrita. “A exceção é justificada pela
magnitude da importância do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado”, ressaltou.
O relator afirmou que uma interpretação estrita do
dispositivo legal poderia levar à conclusão de que a aquisição originária, por
não estar expressamente prevista, estaria excluída da necessidade de averbação
da reserva legal no ato de registro. Para ele, a dispensa, no caso de aquisição
por usucapião, reduziria demasiadamente a eficácia da norma ambiental.
A interpretação estrita, segundo Sanseverino, conduziria a
um “resultado indesejável”, contrário à finalidade protetiva da norma. O
ministro observou que é possível tomar a palavra “transmissão” em sentido
amplo, abrangendo também a usucapião.
“Esse sentido mais amplo está em sintonia com o princípio
in dubio pro natura, pois, havendo diversos sentidos de um dispositivo legal,
deve-se privilegiar aquele que confere maior proteção ao meio ambiente”,
ressaltou.
Com informações da
Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico
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