domingo, 16 de agosto de 2009

EDITORA PODER

Toda criança demonstra desde a tenra idade algumas tendências daquilo que poderá vir a exercer profissionalmente no futuro. Lembro-me que, atraído pelo mistério que envolvia a liturgia e o brilho das catedrais, minha primeira vontade foi a de ser padre. Por conta disso, li o velho testamento que vinha em capítulos em uma enciclopédia que meus pais assinavam e da qual recebíamos um volume por mês. Achei aquilo tudo uma atrocidade mas ainda assim, li um resumo do novo testamento. Foi aí que descobri que estava no caminho errado, já que a pompa e a riqueza dos templos religiosos, contraditoriamente não combinavam com a vida difícil e simples dos primeiros apóstolos.

A seguir, de tanto ler histórias nos livros de criança, eu enveredei para o lado da química, aliás, da alquimia, já que eu juntava as provetas velhas e rachadas de uma farmácia que havia ao lado de minha casa e nelas vivia misturando chás que eu considerava misteriosos no afã de descobrir a panacéia, o elixir da longa vida ou a pedra filosofal. Como evidentemente eu nunca cheguei a resultado algum, acabei desistindo.

Foi então que descobri os super-heróis. Passei a querer ser um soldado defensor dos fracos e oprimidos, que andaria pelo mundo sempre lutando em defesa da justiça. Mitos de minha adolescência como Che Guevara e Fidel Castro, ajudavam a acalentar meus sonhos.
É claro que entremeado a tudo isso, somado ao fato de que o Brasil havia sido bi-campeão mundial em 1958 e 1960, eu pensei também em me tornar um jogador de futebol, coisa que, como já relatei em outro artigo, acabou não dando certo. Foi então que comecei a estudar as notas musicais, encantei-me com elas e, embalado pelos Beatles, Rolling Stones, Roberto e Erasmo Carlos, Vanderléia, Jerry Adriani, etc., acabei descobrindo a minha grande vocação: ser músico. Na adolescência eu adorava compor musiquinhas simples falando dos amores da juventude e acabei exercendo a profissão por mais de trinta anos. Embora hoje eu seja advogado, foi a minha grande paixão. Como se vê, foi uma longa sequência de tendências até chegar ao que eu realmente queria.

Com meu filho André Vinícius não foi assim. A única coisa em comum que tivemos, foi a vontade secreta de jogar futebol mas acho que isso não vale pois eu não conheço um menino que não tenha sonhado em brilhar nos gramados. Ele desde cedo teve uma tendência muito grande pela leitura e vivia devorando livros. Não contente com isso, resolveu escrevê-los. Para tanto, criou aquela que ele chamou de Editora Poder. De posse de alguns pacotes de folha de ofício, passou a criar jornais, documentários, enciclopédias e revistinhas para todos os gostos e idade que acabaram ficando famosas aqui na Vila Norte, já que ele as vendia na vizinhança por preços simbólicos. Até hoje eu encontro pessoas que me falam que guardaram como todo o carinho os exemplares que compraram.

Eu me tornei o fã nº 1 de suas publicações e seu comprador preferencial. Hoje tenho mais de uma centena delas guardadas. Ah, é importante frisar que eram todas artesanais, não eram repetidas; cada exemplar era único, tal qual uma obra de arte de um pintor ou um escultor famoso.

Outro dia fiquei encantado revendo algumas de suas revistas. Pude constatar que por elas passaram todos os grandes acontecimentos ocorridos no mundo entre os anos de 1989 a 1998, fase em que ele as escreveu. Claro que tudo sob a ótica inocente de uma criança, coisa que as torna mais interessantes. Na área musical, ele escreveu sobre várias bandas tal como, Rolling Stones, Wings, além de uma série antológica sobre os Beatles, na qual existem desenhos dos quatro cabeludos de Liverpool que nos causam dúvida sobre terem sido feitos por uma criança. Para não dizer que ele apenas escrevia sobre os grandes astros da música, devemos ressaltar que existe uma revista em que ele escreveu sobre o desconhecido Musical Aquarius, banda na qual eu tocava na época. Havia histórias de heróis conhecidos, como o Batman, National Kid, Capitão Gancho, etc., mas também personagens criados por ele mesmo, como Dion Taiger Charigen, Liu Kang, Miafino, Condor Man, Capitão Natureza, Astropectan, Super Lesma, Capitão Feio, O Homem Capoeira, Detkon TC, Fox Man, etc.

Na área cultural, tivemos dicionários das palavras mais usadas na língua portuguesa, cursos de espanhol e de inglês, Atlas do Brasil, Dino O Livro, Plantas Medicinais, Saúde e Vida, Corpo Humano e Inventores de Verdade. Havia algumas revistas em série, entre elas a Poder Rural, Poder Negócios e o Poder Ciência.

Eram interessantes também, as histórias sobre a gurizada da vila, cujas proezas foram imortalizadas em revistas como A Turma do Nicinho, A Turma da Cleuzinha A Turma da Tuca e A Turma da Tina. De não menos valor, tínhamos as revistas de Horóscopo, Previsões, Folha de Notícias, Livro de Piadas, Retrospectivas e a Revista da TV.
O forte de suas publicações no entanto, eram as revistas de esporte. Ele praticamente documentou todo o desenrolar da Copa de 1.994 na qual o Brasil sagrou-se tetracampeão mundial. Escreveu revistas sobre o Grêmio e o Internacional, além de outras em que discorria sobre os grandes clubes do mundo.


Bem, o menino cresceu, foi para a faculdade e hoje é formado em História. A primeira vista, pode parecer que ele desistiu de ser um editor, porém eu acho que não. Acredito que ele apenas está dando um tempo. Seu amor pelos livros permanece e ele busca incansavelmente o conhecimento. Ele ainda não tem condições de ter sua própria editora, porém continua escrevendo coisas e publicando, não em livros impressos por ele mesmo, mas em um destes instrumentos modernos de disseminação de idéias, os blogs. Mas quem sabe daqui a algum tempo ele não venha a espraiar conhecimento para além dos limites da Vila Norte, fazendo ressurgir a lendária Editora Poder com todo o esplendor dos seus anos dourados. Eu tenho um sério palpite de que o sonho ainda não acabou.

Jorge André Irion Jobim

Nenhum comentário:

Postar um comentário